Nada é como vai ser dantes, ou de como a política devia ser uma coisa de crianças
i.
eu não me consigo sentar sobre os calcanhares. não consigo, pronto. dobro os joelhos até certo ponto, sim, mas o melhor que consigo é ficar com o ar de quem arreia o calhau atrás de umas moitas. lá se foi a elasticidade. e foi-se a troco de quê?
ii.
a elasticidade física ainda é como o outro. se sentirmos muito a sua falta, diz-se adeus à auto-imagem viril e faz-se a inscrição no ioga. a elasticidade mental, essa, já é outra história. a sua ausência dá umas cãibras fodidas.
iii.
lembra-me como se fosse hoje. eu, o carlos, a cláudia, o rui e a kikas podíamos estar animadamente a brincar aos Cinco (cabia-me o papel de tim, o cão, por ser o mais novo...) e, de repente, alguém dizia ‘vamos antes brincar às escondidas’. e íamos. fretava-se uma aviãozinho militar para decidir quem ficava a contar e, em menos de um fósforo (cabia-me o papel de não brincar com eles...), mudava-se o jogo. assim, como quem estala os dedos porque nasceu com eles e não é entrevadinho.
iv.
mudava-se o jogo porque sim. e, a tomar conta de nós, estava o télé, manuel qualquer coisa, respeitável geronte que teria os seus 90 anos quando eu nasci. dedos e unhas amarelos do tabaco, que nunca largou, e uma cadeira de metal entre a porta, que também parecia nunca largar. ao contrário dos outros adultos que pareciam levar tudo a sério, o télé tinha qualquer coisa de beatífico. se nos distraíamos a encher panelas com água, terra e ervas que depois lhe atirávamos, a sua ira momentânea era uma coisa ligeira, meia dúzia de palavras ríspidas que mal percebíamos e uma certa impassabilidade – quase conivência – como quem sabe que nada é como vai ser dantes.
v.
mudava-se o jogo porque não. porque não valia a pena acreditar que o outro jogo é que era bom. porque, se fosse jogo de haver quem perdesse ou ganhasse, nada em disputa valia a perda de não experimentar outro jogo. e, assim como assim, tudo acabaria nas vozes das mães a lembrar-nos que era hora de papo-secos com manteiga e leite com toddy.
vi.
era isso que nós queríamos. brincar, tanto fazia se a isto se a outra coisa; brincar até que nos apetecesse o papo-seco – uma oposição dialética e às vezes de proto-guerrilha entre o apetite pelo papo-seco e o dever do papo-seco. brincar, brincar a não brincar, brincar a decidir a que é que se brinca, brincar à experimentação pura de qualquer ideia que parecesse valer a pena.
vii.
eu não me consigo sentar sobre os calcanhares. será, porventura, saudável. a falta de flexibilidade torna-me incapaz de me auto-felar, o que me leva a aceitar viver em sociedade e a participar activamente na bolsa de valores da companhia. não sei ao certo quando é que comecei a brincar ao jogo do ‘a sério’ com outros adultos – sei que ainda estamos na mesma, pouca gente parece achar piada à cena e ninguém parece querer brincar a outra coisa.
viii.
a elasticidade mental, pobrezinha, está de há muito calcinada por se brincar sempre ao mesmo. primeiro sintoma: o de sentir uma pergunta como “o que é que tu queres?” como uma espécie de ultimato. fugimos todos dela como fugíamos da maria, filha do télé, muito menos impávida que o pai e perita no manejo de vergastas diversas.
ix.
e o que é que queremos? que ‘tenhamos muita saúde e amigos também’, como nos parabéns? o que é que queremos para nós e para os outros, em especial para os que, por conveniência de linguagem, chamamos nossos? pois é. não sabemos. não sabemos nem queremos pensar muito nisso. segue jogo; segue jogo que este, ao menos, já sabemos como é que se joga.
x.
nada é tão elementarmente conservador como uma mãe que tem comida para dar aos filhos. mais: a injustiça constitutiva do jogo actual nem sequer melindra muito porque quase qualquer mãe acredita, mesmo que o negue, que os seus filhos são melhores que os outros. repiso: uma mãe que TENHA comida para dar aos filhos. a mãe que não tem, essa, pode estar disposta a parir uma revolução.
xi.
nada é tão elementarmente conservador como o homem que consegue providenciar. é evidente, não carece de outra explicação. o que não consegue, mais depressa implode que explode.
xii.
segue jogo, portanto; segue jogo que o meu avô era soldado e eu já sou alferes; segue jogo que a minha avó era bobinadeira e eu já vendo brincos na parfois. segue jogo porque isto sempre foi assim. segue jogo porque eles não fazem nada e são todos a mesma coisa e só querem é poleiro. segue jogo porque mudamos as caras e eles continuam eles. segue jogo porque o estado está ali e eu estou aqui. segue jogo porque eu jogo esta merda mas não me deixo engrupir nessa jogatana dos partidos. segue jogo porque eu voto mas cago de alto em quem voto. segue jogo porque ainda acredito num pai natal que me vai dar aquilo que eu não sabia que queria. segue jogo porque deixámos a brincadeira definhar de tal maneira que sugerir qualquer outra coisa é como rir num enterro. segue jogo porque as perguntas incomodam e pensar é um desperdício e o tempo está porreiro e há mamas quase à mostra e está ali um tipo a comer-me com os olhos e há sardinhas e uns trocos no bolso para umas mines. segue jogo porque eu esfalfo-me a trabalhar mas o meu filho há-de ser, pelo menos, tão fodilhão como o pai e a minha filha há-de casar com quem a estime e, por isso, têm que ser como os outros e ter o que os outros têm e que nem sabemos se têm mas se aparece na televisão é porque concerteza têm e, raios m’a partam, mas os meus filhos não são menos que ninguém e isto é tudo por eles que eu só quero é que eles tenham o que eu nunca tive que a minha professora primária batia-me na pilinha com uma palmatória e a galdéria do terceiro esquerdo pensa que é alguém só porque o filho mais velho aparece aqui com um hyundai novo e engravatadinho porque é delegado de propaganda médica mas ela há-de ver quando o meu mais novo for estudar para engenheiro. segue jogo porque, concerteza, sempre houve estado, sempre houve portugal, sempre houve nações, sempre houve bola aos domingos, sempre houve escolas e hospitais e cartões de crédito. segue jogo porque estamos todos cansados demais a trabalhar para nos darmos ao luxo de pensar noutro jogo qualquer. segue jogo porque quando, no século passado, se tentou mudar de jogo, aquilo só deu merda. segue jogo porque não vale a pena pensar que este jogo já é diferente e não o vimos mudar. segue jogo porque os outros meninos ainda estão a brincar, mãe, e ainda não me apetece lanchar.
xiii.
se gostamos do jogo, é jogá-lo ‘a sério’. é o futebol total, é jogar no campo todo e pensar em tudo (e em todos) como nosso. é tomar conta dos partidos, nem que seja à bruta; é cuidar do estado como se fosse o nosso alpendre; é jogarmos todos, mesmo o badocha de merda que parece uma menina a chutar a bola. se estamos fartos, é sentar-mo-nos na mesa da cozinha, a embocar o papo-seco, a pensar e a falar que, se calhar, amanhã podíamos brincar antes a...
i.
eu não me consigo sentar sobre os calcanhares. não consigo, pronto. dobro os joelhos até certo ponto, sim, mas o melhor que consigo é ficar com o ar de quem arreia o calhau atrás de umas moitas. lá se foi a elasticidade. e foi-se a troco de quê?
ii.
a elasticidade física ainda é como o outro. se sentirmos muito a sua falta, diz-se adeus à auto-imagem viril e faz-se a inscrição no ioga. a elasticidade mental, essa, já é outra história. a sua ausência dá umas cãibras fodidas.
iii.
lembra-me como se fosse hoje. eu, o carlos, a cláudia, o rui e a kikas podíamos estar animadamente a brincar aos Cinco (cabia-me o papel de tim, o cão, por ser o mais novo...) e, de repente, alguém dizia ‘vamos antes brincar às escondidas’. e íamos. fretava-se uma aviãozinho militar para decidir quem ficava a contar e, em menos de um fósforo (cabia-me o papel de não brincar com eles...), mudava-se o jogo. assim, como quem estala os dedos porque nasceu com eles e não é entrevadinho.
iv.
mudava-se o jogo porque sim. e, a tomar conta de nós, estava o télé, manuel qualquer coisa, respeitável geronte que teria os seus 90 anos quando eu nasci. dedos e unhas amarelos do tabaco, que nunca largou, e uma cadeira de metal entre a porta, que também parecia nunca largar. ao contrário dos outros adultos que pareciam levar tudo a sério, o télé tinha qualquer coisa de beatífico. se nos distraíamos a encher panelas com água, terra e ervas que depois lhe atirávamos, a sua ira momentânea era uma coisa ligeira, meia dúzia de palavras ríspidas que mal percebíamos e uma certa impassabilidade – quase conivência – como quem sabe que nada é como vai ser dantes.
v.
mudava-se o jogo porque não. porque não valia a pena acreditar que o outro jogo é que era bom. porque, se fosse jogo de haver quem perdesse ou ganhasse, nada em disputa valia a perda de não experimentar outro jogo. e, assim como assim, tudo acabaria nas vozes das mães a lembrar-nos que era hora de papo-secos com manteiga e leite com toddy.
vi.
era isso que nós queríamos. brincar, tanto fazia se a isto se a outra coisa; brincar até que nos apetecesse o papo-seco – uma oposição dialética e às vezes de proto-guerrilha entre o apetite pelo papo-seco e o dever do papo-seco. brincar, brincar a não brincar, brincar a decidir a que é que se brinca, brincar à experimentação pura de qualquer ideia que parecesse valer a pena.
vii.
eu não me consigo sentar sobre os calcanhares. será, porventura, saudável. a falta de flexibilidade torna-me incapaz de me auto-felar, o que me leva a aceitar viver em sociedade e a participar activamente na bolsa de valores da companhia. não sei ao certo quando é que comecei a brincar ao jogo do ‘a sério’ com outros adultos – sei que ainda estamos na mesma, pouca gente parece achar piada à cena e ninguém parece querer brincar a outra coisa.
viii.
a elasticidade mental, pobrezinha, está de há muito calcinada por se brincar sempre ao mesmo. primeiro sintoma: o de sentir uma pergunta como “o que é que tu queres?” como uma espécie de ultimato. fugimos todos dela como fugíamos da maria, filha do télé, muito menos impávida que o pai e perita no manejo de vergastas diversas.
ix.
e o que é que queremos? que ‘tenhamos muita saúde e amigos também’, como nos parabéns? o que é que queremos para nós e para os outros, em especial para os que, por conveniência de linguagem, chamamos nossos? pois é. não sabemos. não sabemos nem queremos pensar muito nisso. segue jogo; segue jogo que este, ao menos, já sabemos como é que se joga.
x.
nada é tão elementarmente conservador como uma mãe que tem comida para dar aos filhos. mais: a injustiça constitutiva do jogo actual nem sequer melindra muito porque quase qualquer mãe acredita, mesmo que o negue, que os seus filhos são melhores que os outros. repiso: uma mãe que TENHA comida para dar aos filhos. a mãe que não tem, essa, pode estar disposta a parir uma revolução.
xi.
nada é tão elementarmente conservador como o homem que consegue providenciar. é evidente, não carece de outra explicação. o que não consegue, mais depressa implode que explode.
xii.
segue jogo, portanto; segue jogo que o meu avô era soldado e eu já sou alferes; segue jogo que a minha avó era bobinadeira e eu já vendo brincos na parfois. segue jogo porque isto sempre foi assim. segue jogo porque eles não fazem nada e são todos a mesma coisa e só querem é poleiro. segue jogo porque mudamos as caras e eles continuam eles. segue jogo porque o estado está ali e eu estou aqui. segue jogo porque eu jogo esta merda mas não me deixo engrupir nessa jogatana dos partidos. segue jogo porque eu voto mas cago de alto em quem voto. segue jogo porque ainda acredito num pai natal que me vai dar aquilo que eu não sabia que queria. segue jogo porque deixámos a brincadeira definhar de tal maneira que sugerir qualquer outra coisa é como rir num enterro. segue jogo porque as perguntas incomodam e pensar é um desperdício e o tempo está porreiro e há mamas quase à mostra e está ali um tipo a comer-me com os olhos e há sardinhas e uns trocos no bolso para umas mines. segue jogo porque eu esfalfo-me a trabalhar mas o meu filho há-de ser, pelo menos, tão fodilhão como o pai e a minha filha há-de casar com quem a estime e, por isso, têm que ser como os outros e ter o que os outros têm e que nem sabemos se têm mas se aparece na televisão é porque concerteza têm e, raios m’a partam, mas os meus filhos não são menos que ninguém e isto é tudo por eles que eu só quero é que eles tenham o que eu nunca tive que a minha professora primária batia-me na pilinha com uma palmatória e a galdéria do terceiro esquerdo pensa que é alguém só porque o filho mais velho aparece aqui com um hyundai novo e engravatadinho porque é delegado de propaganda médica mas ela há-de ver quando o meu mais novo for estudar para engenheiro. segue jogo porque, concerteza, sempre houve estado, sempre houve portugal, sempre houve nações, sempre houve bola aos domingos, sempre houve escolas e hospitais e cartões de crédito. segue jogo porque estamos todos cansados demais a trabalhar para nos darmos ao luxo de pensar noutro jogo qualquer. segue jogo porque quando, no século passado, se tentou mudar de jogo, aquilo só deu merda. segue jogo porque não vale a pena pensar que este jogo já é diferente e não o vimos mudar. segue jogo porque os outros meninos ainda estão a brincar, mãe, e ainda não me apetece lanchar.
xiii.
se gostamos do jogo, é jogá-lo ‘a sério’. é o futebol total, é jogar no campo todo e pensar em tudo (e em todos) como nosso. é tomar conta dos partidos, nem que seja à bruta; é cuidar do estado como se fosse o nosso alpendre; é jogarmos todos, mesmo o badocha de merda que parece uma menina a chutar a bola. se estamos fartos, é sentar-mo-nos na mesa da cozinha, a embocar o papo-seco, a pensar e a falar que, se calhar, amanhã podíamos brincar antes a...
16 comentários:
Isto é quase um novo FMI do jmb, cunscafandro, pa!
E eu ca parece-me que tinha mesmo de se mudar de jogo. Nao estou a ver outra alternativa. Estamos quase no anarquia ou morte, nem que a vaca tussa. Que e como quem diz, quer o jogo siga, quer näo siga, isto vai dar merda pla certa...
Bela posta, Vareta!
E quem nunca brincou com a própria merda, na mais tenra infância, que atire a primeira pedra!... :)
Tendes munta razão, Bock, munta razão.
Ha sempre alguem fraco de memoria disposto a atirar pedras. Menos o fininhO, que ainda hoje brinca com a propria merda, como é do conhecimento comum.
Com laradas nunca brinquei, mas cozi muita lagartixa e muito caracol com ervas em latas ferrugentas sobre fogueiras.
E depois? Ser delegado de propaganda médica é uma profissão como outra qualquer...
E plastificar cartões.
numa mão uma cerveija fresquinha
e na outra um grande caralhão
qual vai primeiro há minha boquinha
é sempre uma puta de indecisão
é há sombra da bananeira
que se solta a melhor caganeira
sou eu e a Linda de sousa
QUE AS PULGAS DE MIL CAMELOS INFESTEM OS VOSSOS SOVACOS!!!!
Efpm(u) diz-me se és mesmo tu?
Efpm (u), deixa-me ir-te ao...
removeme
filha
removeme!!!
NÃO METAM PEPINOS NO CÚ!!!
NEM TALOS DE COUVE
PROVEM O MEU PAU
DELICIA!!!!
Vinho da Beira Interior faz bem à saúde
por LusaHoje
Os vinhos tintos produzidos na Beira Interior são um bom produto para a prevenção de doenças como o cancro do estômago, segundo um estudo de Luísa Paulo, investigadora da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior.
Dizem que certos fluídos orgânicos também, como sejam a cera dos ouvidos, o esmegma, as secreções sebáceas de trás das orelhas, os das glândulas de Bartholin e dos sacos lacrimais.
E a esporra.
As coisas que tu sabes.
E tudo isso de ouvir dizer?
Mhhhh.... estranho, muito estranho.
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