Depoimentos de criminosos improváveis
Gervásio Sousa, 72 anos, homicida
"Era levada do diabo. Não se fazia farinha às primeiras com a minha Gertrudes. Contavam que certa vez, estava ela sozinha no café (nota: o entrevistado era proprietário do café, estabelecimento sem nome registado, em Casal das Aboboreiras, concelho de Tomar), e chegou lá o Tóvão, que andava com o caminhon das bebidas, e vai ele e diz 'Ó Dona Getrudes, era uma mine e uma punhetazinha de mamas.' Qu'a minha Gertrudes tinha um seio que era uma coisa... Toda ela era maciça, certo, mas o seio aquilo quase lhe arrebentava as blusias. Certo. Mas ela vai e não foi de modas: arregaçou a blusia e vai e diz-lhe 'Tu, ó pinchavelho? Tu nem pró meu imbigo chigavas!' E ela tinha um imbigo que aquilo era uma coisa... Parecia assim o buraco de uma rodilha mas em grande, que nem se le via o fundo. Certo. Diz que o Tóvão que ficou par lá todo encavacado e a minha Getrudes em grande risada. Que quando ela se ria aquilo era uma coisa... Parecia que tinha chocalhos na pulmoeira e tudo o que era refego se lhe sacudia de mansinho como quem estendia uma manta ao vento... Uma mulheraça... Aquilo... Certo, ela fazia duas de mim, que eu nunca fui muito grande. Nem fiquei aprovado nas sortes. Mas nunca fuin de virar a cara ao trabalho. Certo. Eu às vezes matutava que ela escunfiava que tinha sido eu a atirar c'a minha sogra par dentro do poço. E não se enganaria ela. Certo. Qu'a minha sogra fedia que aquilo era uma coisa... Parecia chanfana em antes de ir ó forno: só cheirava a cabra velha e a vinho. Certo. Mas nem foi por isso. Que nem era má mulher. Mas o meu primo Ricínio contou-me o do senhor vigário bem contado e fugiu-se-me com mais de duzentos contos em dinheiro antigo. E a minha sogra não foi senhora de se chigar à frente só que fosse siquer ò menos com um mês da refolma. Não sei que raio de estimação tinha ela pelo dinheiro, a mais qu'a Gertrudes era filha única, que deitar a paridela dum animal daqueles é coisa pra derribar uma mulher. Certo. E eu vou e começo a pensar qu'aquilo era ganho em dois enviopes: era o que se poupava no comer e nos dicamentos da velha e mais o que vinha da herdança que ela não era mulher de comprar umas cuecas c'o dinheiro dela. E eu fize-a bem feita. A velha inda gostava de acudir à horta e eu escolhi bem a hora e vou de le dizer 'ó minha sogra, venha cá ver, ali no poço, aquilo não é...'. Ela confiou-se e eu virei-a que foi um repente, qu'a mulher era seca de carnes. Certo. A Getrudes não era de grandes apegos à mãe e passou bem sem ela. Inda a velha tava quente e já ela tinha ido à feira a Tomar comprar um valente cordão d'oiro com parte da herdança. Qu'ela era opiniosa. Nunca tivéramos dinheiro para luxos mas a minha Gertrudes era opiniosa. Certo. Mas nos dias em que lá lhe abanavam algum tanchão ela vinha com remoques sobre a velha e 'bom jeito te deu' e 'sei tanto disso como tu saberás porque raio foi ela ó poço'. Nunca mo disse às claras mas que escunfiava... Que não se le comiam as papas na cabeça assim às primeiras. Andava ligeira, a minha Getrudes. Eu era mais confiado do que era ela. E bem me custou, que o meu primo Ricínio enfiou-me o garruço bem infiado e viste-lo... Lá se foi ele com duzentos contos em dinheiro antigo. Andava tudo na ponta da unha, lá no café, qu'a minha Gertrudes não era trouxa pró negócio. O café era do mê pai, que ele era de Seia mas casou para ali. E eu às vezes escunfiava, eu tamém escunfiava, qu'a minha Getrudes casou mas foi c'o café e eu, olhe, falando mal e depressa, eu era gado da casa. Certo. Mas nunca dei porque m'enganasse. Eu inda andei por lá eriçado com a Domitília... Qu'aquilo nem siquer ò menos era vistosa mas como era um bocado porca e não eram precisas mais de duas falas antes de pregar co'ela no chão, eu tamém quis ir lá ver. Mas não era nem de três parte uma a mulher qu'era a minha Gertrudes. Qu'aquilo era uma coisa... Toda ela era maciça. Aquilo era uma anca qu'enchia uma saia qu'aquilo parecia um salpicão. Certo. A gente dávamos-se bem. Ela escarnecia, às vezes. Um animal daqueles... Aquilo cada perna dela era mais larga qu'a minha cintura. E ela escarnecia... Qu'ele havia vezes de eu estar em cima dela e dela se largar a rir 'ó hóme, que raio tás tu aí a charrinfalhar?, mais vale ires pedir um dedo ó Hinlário!' Qu'o Hinlário é um homenzarrão, cada mãozorra qu'aquilo sigurava duas enxadas sem custo nenhum. Certo. Mas dávamos-se bem. Que quando ela chigava a escamisar-me a maçaroca com a boca, eu ficava tão eissitado, olhe, tão eissitado que o meu membro chigava a ter dois dedos de grosso por um de cumprido. Dos meus. Certo. E inda hoje não sei o que me chigou à cabeça naquela altura. Qu'eu tinha-lhe estimação. Um animal daqueles... E inda estava cheia de viço, a minha Getrudes. E vou eu e deixo-me cair na esparrela de comprar uns comprimidos ao Bartolameu, ele a apregoá-los qu'aquilo ficava mais dereitinho que uma pinheira nova... E eu a ingoli-los qu'aquilo até parecia a hóstia e cá em baixo nada e a minha Gertrudes ria, alma do diabo, ria que se partia em duas, a bater as palmas e a afégar e aos ais de riso, e 'ai qu'o raio do velho inda não perdeu o sentido à cobrição'. Certo. Não me desceu a força ó instrumento, certo, mas ela lá me chigou às mãos, que lhas deitei ó pescoço e vou e fico ali a apertar até ela deixar de se mexer. E levou tempo, que um animal daqueles... E vou eu e largo a correr pela aldeia fora com o fato que me deram os mês pais, aos ais e 'acudam qu'eu matei a minha Getrudes'. Ajuntou-se um poder de gente e quem é que havia de aparecer? O enxertado de corno do meu primo Ricínio, qu'aqui à atrasado m'inludiu com umas prósegas cá de uma maneira que me levou duzentos contos limpinhos em dinheiro antigo. E vai ele e diz, a apontar-me pró pai de todos, 'ó primo Gervásio, vomecê parece que traz aí o pipo da prima Gertrudes!, vai-se a ver foi isso que a matou!', e tudo a rir c'as comédias daquele ladrão. Certo. Ora, digo eu, isto não é coisa que se faça a um velho, ou é? Calhou estar a gadanha do Praxedes ali à beira e foi quantos apanhei até que o fedelho da Domitília, que nunca soube quem era o pai e hóme nenhum sabia se não era, até que o fedelho vai e m'atira c'um valente pedraço aqui à cartilage da orelha que foi o que me fez cair p'ró chão. Como não acabaram comigo logo ali, isso não o sei eu. Certo. Prontos. E assim cá vim ter. Era o que queria saber?"
7 comentários:
'um poder de gente', 'o sentido da cobrição'...é o novo Malhadinhas, o que aqui temos. Vou ler outra vez, que é fantástico.
Certíssimo!
Uma gaja rir-se assim dum gajo porque não consegue tocar-lhe lá nos badalos é demolidor. Eu cá acho que foi muito bem feito.
extraordinario!
"aquilo era uma coisa" :-) es muy, muy bueno
Excelente matéria-prima para uma obra apócrifa de Francisco Moita-Flores - "O sentido da Cobrição - contributos para o estudo da violência doméstica em Portugal".
(De facto está lá tudo, de Camilo a Torga... Este Vareta é danado...:s)
Lindo, só faltam uns sinais daqueles que usam para os aviões irem para o seu lugar, para um gajo aqui vir ter, porra, que a azáfama é muita e as gajas dão muito que fazer...
Aleluia, Senhor da Vareta Funda...
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