segunda-feira, 27 de junho de 2011

OS PESADELOS DE CORDEL DE ASSENTO DA SANITA- I : um pesadelo matemático.



Kurt Gödel (1906 - 1978)

'A mathematician is a device for turning coffee into theorems'. ~ Paul Erdos

As instruções surgiram num sonho particularmente lúcido. Dele acordei gradualmente, sem nada do seu conteúdo se ter desvanecido na transição para vigília. Na praça, terceira rua à esquerda, junto ao chafariz; terceiro andar esquerdo. Sou normalmente esquivo e ansioso nos contactos sociais, mas nesse dia, ao homem de cerca de sessenta anos que me abriu a porta, sorri e disse-lhe sem mais delongas, que tinha sonhado com aquela porta verde-escura, naquele terceiro andar. Não pareceu estranhar e mandou-me entrar cordialmente. No corredor havia cheiro a madeira e tapetes velhos e o soalho rangia. O homem guiou-me vagarosamente até uma sala na semi-sombra. Na parede haviam quadros com gravuras: de astronomia, alquimia, história natural, símbolos cabalísticos,mitológicos, plantas e mapas. A dada altura causou-me alguma estranheza ter de virar à esquerda para entrar num segundo corredor à direita, onde tive de andar ás arrecuas, seguindo as instruções do homem – para poder atingir a ombreira da porta uns dois metros à frente. Pensei em truques de feira com espelhos, mas decidi não me deter e suspender o julgamento deste facto apenas insólito. Depois de me estender uma chávena de café e beber um golo da sua, disse-me: - ‘Aponte-me um destes quadros. Com qual deles sonhou hoje? ‘ Apontei para uma gravura setecentista representando o Sol com feições antropomórficas, gravada na prata de um espelho. Levantei-me e observei mais atentamente o espelho. A minha própria face reflectia-se na superfície espelhada pode detrás dos traços da gravura. De súbito, como se tivesse surgido um segundo espelho, o meu reflexo multiplicou-se. Depois, como se o segundo espelho se aproximasse do primeiro, o número de imagens tornou-se infinito. De seguida, brotaram transfinitas imagens, ou seja mais que infinitas, como se as superfícies dos espelhos coalescessem e se fundissem uma na outra. Despertei desses poucos segundos hipnóticos e perturbadores, abanando a cabeça rapidamente para um lado e para o outro e, passando a mão na cara, limpei o suor. – ‘Que se passa?’- inquiri.- ‘Nada de especial’ - disse o homem. –‘Apenas viu a sua verdadeira natureza, que é transfinita’. - disse o homem. .- ‘Nada de especial’– ‘Que se passa?’- inquiri.- Despertei desses poucos segundos hipnóticos e perturbadores, abanando a cabeça rapidamente para um lado e para o outro e, passando a mão na cara, limpei o suor. De súbito, brotaram transfinitas imagens, ou seja mais que infinitas, como se as superfícies dos espelhos coalescessem e se fundissem uma na outra. Depois, como se o segundo espelho se aproximasse do primeiro, o número de imagens tornou-se infinito. Em seguida, como se tivesse surgido um segundo espelho, o meu reflexo multiplicou-se.

Assim, todos os acontecimentos se sucederam de forma retrógrada, até estar a sonhar e acordei antes de adormecer. Depois, experimentei tudo em simultâneo: dormir, acordar, sonhar, levantar-me, ir até ao terceiro andar da terceira rua, ver-me ao espelho & etc. E essa experiência continha, de novo, a experiência do tempo retrógrado e a simultaneidade, como naquelas figuras que se representam a si próprias e assim por diante, num recesso infinito de auto-referência. Não podendo conter, em si mesma, a sua própria explicação, a Experiência total, isto é, vista do exterior, coisa que apenas consigo conceber e não experimentar, é ainda assim INCOMPLETA. Há zonas cinzentas, acerca das quais nada pode ser dito e por mais que se busque a sua explicação no seu espelho recíproco. São indecidíveis. O tempo para resolver o seu estatuto de verdade ou ilusão é indeterminado. Podem ser segundos, podem ser eons.

Acordei num estado de puro pânico por sonhar esta monstruosidade. E aterrorizou-me pensar que era isto, de certa forma, a Plenitude ou a Eternidade. A imagem do homem, que percebo agora, primeiro ter sido a de Bernhard Riemman, depois a de Georg Cantor, depois a de Henri Poincaré, depois a de Kurt Gödel e por fim as de Alonso Church e Alan Turing, demorou todo o dia a desvanecer-se e à medida que o sentimento da Realidade vulgar retornava muito lentamente.

Estive mais de oito dias sem querer adormecer. Mas, um efeito colateral do pesadelo: saber o que está nas zonas cinzentas, não deixa de me obcecar.

domingo, 26 de junho de 2011

Por causa do calor...





















...e para nos ajudar a refrescar!

quinta-feira, 2 de junho de 2011

HISTÓRIA DE 'O'



Dentro do automóvel, o amante pegou-lhe docemente na mão e pediu-lhe que tirasse as cuecas. Ela sentiu o couro dos estofos colar-se ás nádegas. Deixou-se ficar enquanto o amante lhe passava as mãos pelos seios. Por fim, beijou-a nos lábios. ‘Está na hora. Tens de ir’. Através do portão de grades, iluminavam-se as janelas do Castelo de Roissy. O estava um pouco apreensiva e viu aproximar-se o criado, que a conduziu cordialmente à entrada enquanto lhe olhava para as nádegas, um tudo-nada sobressaindo da curtíssima mini-saia. Os saltos-altos de O pisando por sobre as folhas secas do Outono produziam o único som em redor. O criado arfava ligeiramente. Lá longe ouviam-se risos, vindos de uma janela aberta do castelo. Nisto, dois galifões saltaram de trás de um arbusto e agarraram o criado. Desapertaram-lhe o cinto, baixaram-lhe as calças e sodomizaram-no. Ele tinha um quisto esfinctero-perineal muito grande, que foi empurrado à bruta pelo recto adentro ‘Ai! Ai! Ai! Ai!...’ – gritava. O quisto, que era causado por uma ténia, mas que entretanto já tinha morrido lá dentro e apodrecido, rebentou e os líquidos nauseabundos esguicharam-lhe pelo ânus indo regar uns rododendros. Mais, ainda se borrou todo. Os galifões, depois de terminarem o servicinho, sacudiram as toscas roupas de serapilheira cheias de catotas coladas, vestígios das arremetidas anteriores contra o criado e debandaram aos pulos. – ‘Tem tendências, você’ – perguntou O. O criado fez um risinho envergonhado, recompôs as ceroulas e indicou-lhe novamente o caminho, em silêncio. Nisto, por detrás de uma sebe de buxo artisticamente topiada, surgiram de novo os galifões e atracaram-se ao traseiro do criado, zurzindo-o sem dó nem piedade enquanto emitiam animalescos urros. O criado esborratou-se pernas abaixo de novo e ficou com os sapatos cheios de merda. Eram uns belos sapatos italianos, daqueles com buraquinhos e que ficaram irremediavelmente entupidos com fezes dos galifões. A dobra das calças também ficara cheia de uma larada amarelada, com bagos de arroz por digerir e com um forte cheiro a azedo. Parecia que tinha farrapos no meio de um líquido amarelado e leitoso. Fazia ‘chlap, chlap’ quando o criado andava. O seguia-o em silêncio e ao fim de hora e meia nunca mais chegavam ao castelo. O sentia a volúpia das gotas de suor que corriam pelas virilhas por baixo da saia, levemente excitada e distraída, quando o criado estacou. ‘-Hum. Cheira-me aqui a marosca…’-disse. Um leve ruído saiu de trás de uma moita de escalónia e a cabeça de um dos galifões assomou-se com um riso sardónico. ‘Eh, eh, eh, zumba, zumba’ – disse guturalmente um deles. O outro só se ria com a gosma a borbulhar nos brônquios. Alçaram-se num salto para cima do criado e atafulharam-lhe o recto com as insalubres vergas. O criado gritava ‘Ai, ui, uiui, aiaiai…a minha rica tripinha. Uma grossa hemorróida rebentou-lhe de esguicho para cima do soutien de um dos galifões. O, entretanto, arrepelava as peles das unhas das mãos com uma lima, assobiava e tirava catotas brancas do espaço entre os grandes e os pequenos lábios. Colando-as áquelas que retirava do ânus ficava com uma dupla catota preta e branca e dizia: -‘olha, é a chamada ‘catota Sheridans’. E ria-se a bandeiras despregadas. O criado estava desmoralizado e as gotas de suor rolavam-lhe pela testa. –‘ É assim a vida de um humilde serviçal, senhora’. As cuecas do criado eram agora uma pasta ensopada de merda rala, meita e coágulos avermelhados. Voltou a colocá-las e as cuecas colaram-se-lhe integralmente aos tomates. Peidou-se copiosamente, suspirou e seguiram o caminho do castelo.

Sir Stephen olhava pela janela afastando o cortinado de veludo brocado. Uma criada semi-nua, apenas de meias, ligas, uma gargantilha de veludo e um grosso cilindro de baquelite fundamente enfiado no recto ‘para ir alargando’, servia-lhe um Chateau Grouvignac de 1956, aproximando a bandeja com uma vénia ligeira. Sir Stephen via ao longe dois vultos cavalgando um outro entre dois arbustos enquanto sons longínquos e resfolegantes (e uns ’ais’) se faziam ouvir vindos da janela.

FIM