terça-feira, 11 de dezembro de 2012

BALADA DE HILL STREET

Miss Davenport levou a mão ao enchumaço que sobressaía da coxa do capitão Furillo. Tratava-se da sua Magnum 44 e não da sarda do capitão, que era minguada, mole, pequenina, mirrada, atrofiada, tinha varizes e peladas que lhe causavam pruridos. O testículo esquerdo, mesmo ao lado do quisto e que parecia um terceiro testículo, era enfezado e também varicoso, com pústulas malcheirosas e que vertiam um líquido amarelado. O períneo do capitão era uma badana encarquilhada, que quando atingia o ânus se transformava numa espécie de monco de peru e fazia a transição para a enorme hemorróida cronicamente inflamada e cheia de fezes secas. Miss Davenport suspirou e decidiu passar ás enormes mamas que o capitão tinha mor de uma desregulação hormonal grave. Normalmente era alvo de chacota na esquadra porque lhe ofereciam soutiens de copa 'A' no Natal e gritavam-lhe nas costas 'ó Furillo, faz-me aqui uma à espanhola!'. Ele até já tinha frequentado, em tempos, um grupo de apoio de homens com mamas. Miss Davenport tinha a sensação de estar a bater pratos com Silvia, a carcereira dos calabouços da esquadra de Hill Street, prática a que se dedicava quando sentia falta de um orgão sexual túrgido que lhe preenchesse o canal vaginal. Silvia tinha um clitóris hipertrofiado por causa das hormonas que Silvester, o dono da loja de suplementos para culturistas, lhe passava por debaixo do balcão. Nesse dia, na esquadra, uma das agentes, Rose Fernandez tinha acidentalmente adoçado o a café com um pó branco que a carcereira Silvia guardava no seu cacifo decorado com recortes da Hannah Montana. Tratava-se de testosterona cem por cento pura sonegada do laboratório ilegal que Silvester tinha na cave, onde também escravizava os chineses. Este composto, como se sabe, tem fortíssimos efeitos no nível da libido feminina. Rose começou por comer Edwart McThynney, o rececionista tetraplégico, ao que se seguiu Tim, o agente hiperobeso e um outro que era um monhé fuínha. A seguir foi para a rua onde se envolveu num gangbang com os 'Los tacos de cerdo', um bando de portoriquenhos, seguido das 'enchilladas de mierda', um bando de mulheres deliquentes adolescentes lésbicas e viciadas em metanfetaminas; depois comeu os 'nachos de polla', um bando de emigrantes de Trinidad & Tobago; depois fez uma geraldina aos mexicanos do bando 'los cuenas mueles'e ficou a escorrer um líquido pastoso das partes que parecia guacamole. Com a vagina lassa como um trapo velho, com as badanas ao dependuro, lá foi ela apresentar-se ao serviço para a ronda do dia. Passava o capitão Furillo e Miss Davenport que iam a caminho de uma audiência na companhia de um delegado do Ministério Público que era secretamente um psicopata torcionário de freiras carmelitas descalças e viciado em heroína fabricada por Silvester num armazém de conservas de peixe no cais de Manhatan onde trabalhavam uns paquistaneses escravizados. Os paquistaneses eram seviciados por capatazes búlgaros enquanto enchiam as sacas de droga à pazada e as carimbavam com um selo que dizia 'bananas of USA'. Por isso, os paquistaneses tinham grandes problemas, nomeadamente aqueles que resultavam da lassidão do esfíncter anal, pelo que se borravam nas ruas de Nova Iorque e era uma vergonha e um nôjo e toda a gente lhes cuspia em cima e os desprezava. Eles, como eram emigrantes ilegais,

aguentavam tudo com estoicismo hindu enquanto mascavam uma chamuça. FIM

sábado, 3 de novembro de 2012

O gajo que queria ir ao cu da mulher...














...e não sabia como a levar à certa!!!

Era uma vez um gajo que queria enrabar a mulher, mas...

Ó caralho, AHAHAHAHAHAHAH não consigo contar, desmancho-me a rir, ó ca...raças AHAHAHAHHAHAHAHAHAH... Fónix, desculpem lá, não consigo!!!

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Toma!


quinta-feira, 23 de agosto de 2012

...








segunda-feira, 30 de julho de 2012

MARTELO DE BIFES

Recebi ontem uma curiosa missiva. O seu autor é um conhecido professor de psiquiatria, o Prof. Alberto Marques, que por um qualquer capricho de um motor de busca, acabou por se interessar pelos textos acerca da vida da aldeia e Adozinda. Era uma volumosa epístola dactilografada a um espaço e sem correcções. O que ora transcrevo, em menos de uma página, julgo eu corresponder a uma imagem do essencial da interpelação de Marques. “Caro Assento da Sanita (…) Permita-me dizer-lhe em primeiro lugar, que se diverte a humilhar, despersonalizar – e não exageraria se dissesse - torturar- os seus personagens, submetendo-os a inenarráveis e doentias sevícias. Repare que, emanando da sua própria cabeça, eles mesmos são de algum modo versões metafóricas da sua própria pessoa. E assim sendo, pergunto-me porque se castiga a si próprio deste modo? Se merece castigo é por ser culpado de alguma coisa. Não sou nenhum detective, nem me passaria pela cabeça investigar a sua história pessoal para determinar algum evento menos feliz que possa ser a fonte dessa culpabilidade. Tudo o que posso aventar, dados os indícios seguros presentes nos seus textos, é que: seviciou um cão borrifando-lhe o anûs com aguarrás e o pobre animal fez dois quilómetros a arrastar o rabo para se tentar aliviar do agudo prurido. A aguarrás esguichou-a Alberto, um deficiente mental, incitado por si. Sei que também o convenceu a malhar violentamente com um martelo de bater bifes no tronco de uma árvore , ao que o martelo ressaltou e veio ferir a sua própria testa. Lembra-se de ostentar as marcas na testa, chegar à escola e ter deitado as culpas para cima de Alberto que não se conseguiu defender? Nas contas que Da Sanita fez, na pouca capacidade de resolução de dilemas emocionais que uma criança de seis anos possa ter, sopesaram a vergonha de se apresentar com uma grelha de pequenos hematomas dispostos regularmente na cabeça e, por outro lado, aquela de atribuir as culpas ao inocente Alberto. Percebo que essa culpabilidade o corroeu desde essa altura e agora, com sessenta e oito anos (não me pergunte como cheguei a este número, mas os psiquiatras são pessoas com recursos metodológicos poderosos), tenta Da Sanita expiar esse ‘pecado’ auto-martirizando-se. Sugiro que procure Alberto na instituição de saúde onde actualmente é clínico residente e lhe peça as mais sinceras desculpas. E procure também a Dona Adozinda, a sua professora primária e explique-lhe o sucedido, desta vez com verdade, nem que tenha de recorrer a uma mesa-pé-de-galo. Adivinho distúrbios neuróticos como ansiedade social, compulsões de higiene constante e propensão para a auto-manipulação genital com martelos de bater bifes ensanguentados. Tenho a certeza que coloca os testículos numa mesa e os golpeia com brutalidade com esse martelo, enquanto grita ‘Oh Alberto! Oh Adozinda! Oh Piloto!’ antes de atingir o clímax sexual e ejacular contra o tronco de um freixo. Espero sinceramente que seja apanhado em flagrante por uma patrulha da polícia nessa actividade, mas também que se veja aliviado do seu muito sofrimento (…) Atenciosamente. Alberto Marques

terça-feira, 24 de julho de 2012

Atirei o pau ao gato!

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Notas de crítica literária I: exegese de um personagem.

Foi Assento da Sanita, pseudónimo de um regular pai de família, fazendo sair, de forma casuística, uma peculiar e distorcida visão da vida na aldeia sob a forma de saga picaresca. Isto num blogue francamente aos caídos. No entanto, não se perdem esses exercícios de escrita e interessa ora analisar as condições da real biografia do blogger que levaram à criação deste peculiar universo. Estarão na posse do autor ainda mais umas centenas de páginas, mistas de diário, mas tergiversando livremente. Da análise desse espólio é patente que Adozinda é inspirada na sua mulher-a-dias vestida de traços de Maria Papoila. Queixa-se várias vezes de esta levar porcos à socapa lá para casa e mesmo encetar descabidas práticas agrícolas pelos cantos da casa e a ter surpreendido em divagações auto-manipulativas com peixes comprados na loja de congelados: safios, pargos e peixes-espada. Difícil de dissuadir, foge ao patrão, que entretanto se fascinou pelo seu espírito simples mas profundamente livre. Uma página do diário diz assim: ‘ Vanessa [Adozinda] acoitou-se na dispensa e eu tentei convencê-la a deixar-me vê-la a introduzir no bordedo uma garoupa de cinco quilos e meio, besuntada com mel e pasta tandoori. Só consegui convencê-la depois de lhe garantir que não reclamaria a lata de goiabada que introduzira no recto e que agora tinha dificuldade em expulsar. Prometi-lhe sigilo e propus-lhe certas práticas inconfessáveis. A primeira consistia na adoração do bidé, com os seus vários anos de sarro junto ao bordo superior, do lado de dentro, enquanto eu vestia as roupas dela e ela usaria as minhas cuecas ensopadas em piri-piri logo após rapar os pêlos púbicos com uma lâmina de barbear já muito romba. Corri a anotar no meu diário literário que ‘trepou pela parede de azulejos acima e só largou o candeeiro dos lavabos após mangueiradas prolongadas’. Entretanto, descurara o trabalho doméstico e a roupa, loiça suja e porcaria em geral, amontoaram-se pela casa, a ponto de termos dificuldade em circular com facilidade. Vanessa parecia regozijar-se com o factos singelos como o esmagar com o pé, um triângulo de queijo ‘la vache qui rit’ amolecido do calor, quando inadvertidamente pisou umas truces minhas com coraçõezinhos e com os elásticos já à mostra que o continha por desleixo. À noite sossegava e contava-me como era perseguida por um burro, ou talvez por um tio – não se lembra bem – lá na aldeia, que era pirómano e incendiava as matas por gozo, mas que estava sempre a pedir-lhe que o acompanhasse a beber uma ‘malga dele’, sendo que o que ele queria era apanhá-la e forçá-la ao coito ano-rectal. Não percebi se logrou o seu intento, esse tio ou burro, mas certo é que as torcidas de Vanessa eram grossas como paus de eucalipto e ela largava-os frequentemente, pois já não ‘se segurava’. E era em qualquer lado: no tapete da sala, enquanto passava a ferro ou puxava lustro às alpacas. Os meus dias de solidão tinham sido preenchidos por Vanessa, que estou sinceramente a pensar desposar’. Assento acabou por não casar com Vanessa pois esta fugiu com a cobradora da electricidade que lá foi a casa na véspera do matrimónio. Teve AdaS de cancelar o faustoso casamento e até tinha limpo a casa. ‘Se é lésbica, o melhor é não casar, pois certamente se veria numa situação de infelicidade e aparência apenas por conveniência social’ – conclui AdaS no seu diário.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Notas ociosas: contributo para um Dicionário Esotérico I

Alquimia – Prática mixordeira de certos indivíduos de longas barbas e chapéus pontiagudos que pretende transformar metais ‘vis’ em ouro aquecendo pacientemente sal, mercúrio e enxofre e passando a vida inteira nisto, enquanto vão citando, com um ar compenetrado, princípios filosóficos herméticos, como: ‘o que está em baixo é como o que está em cima’, que é sempre uma bela imagem se pensarmos em duas amigas nuas afocinhando nas miudezas uma da outra. Bruxaria – Umas velhas a roçarem-se em paus de vassouras e bodes a cheirar a bedum enquanto ‘metem’ drogas maradas para ver ‘coisas’, nomeadamente besuntando-se com banha de enforcado contendo meimendro, estramónio e beladona porque ‘já não têm idade para o MDMA’ – segundo dizem. Cabala – Prática de pendor mistificante inventada por uns judeus, que consiste em acreditar num homem gigante que se chama ‘Adão Kadmon’ e está no céu e é feito de umas bolas com umas letras dentro ligadas umas às outras por traços, uns para trás e outros para a frente e que se chamam sephiroths ou ‘emanações’, sendo que a primeira espichou a partir de coisa nenhuma – isto é, porque sim – e que se chama En Sof, para dar um ar sério á coisa. As bolas correspondentes aos tomates tendem a ser maiores que as outras e a ter pelos, dizem. Maçonaria – ‘Clube do Bolinha’ para crescidos, que nem os próprios percebem ao certo o que é que faz e para que serve. Os maçons adoram que quem está de fora ache que eles ‘mexem os cordelinhos desta merda toda’, mas geralmente só conseguem mandar umas bocas nas direcções de sociedades recreativas de bairro, clubes de canasta e comissões de melhoramentos. Uma boa parte dos membros acredita piamente na maioria das entradas deste Dicionário. Diz-se que andam todos nus, às escuras só com um pequeno babete à cintura enquanto meneiam, com ar sério, uns esquadros, compassos e outras ferramentas de construção civil da loja dos chineses. Medicina Ayurvédica – Prática terapêutica de monhés carecas ‘do antigamente’ com túnicas e sandálias, que mete ervas esquisitas que se vendem na Body Shop e nas lojas de brasileiros. Reflexologia – Prática terapêutica ancestral inventada nos EUA nos anos 90 em que se carrega nos pés de tansos para lhes sacar guito, enquanto se vai comentando os calos e as gretas dos calcanhares a precisar de hidratante. É praticado por cabeleireiras espertalhonas. Rosacrucianismo – Uma cena mística com cruzes e rosas que nunca existiu, mas que leva pessoas a fazer tertúlias em Campo de Ourique, Telheiras, Rua dos Bacalhoeiros e em restaurantes macrobióticos vários em que se distribuem cromos com o Conde de Saint Germain para ‘se concentrarem’. Wicca – Cena freak de góticas que mete velas e a Natureza e que se faz na mata com pentáculos e bodes ao som dos Moonspell.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Subsídios para a epistemologia e hermenêutica da cultura popular, 3

Dora e o SM

Ora mil nove e oitenta e oito... Onde estava eu? Andava por aí, com 12 anos, já moço feito, púbere e bem ensocado.

Antes de arder o Chiado, havia um programa na RTP chamado Deixem Passar a Música, onde António Sequeira, Valentina Torres e Ana Paula Reis se entretinham a, entre outras coisas, apresentar as cinco canções que a RTP encomendara a "compositores de renome" (e o que seriam senão 'de renome' indivíduos como Luís Filipe ou Luís Duarte?) para competirem com a cantiga vencedora do Prémio Nacional de Música de forma a que, de entre as 6, dealbasse a imaculada pomba que voaria até Dublin para nos representar na Eurovisão. Foi um ano de sincera revolta, para mim. Devo confessá-lo: o Prémio Nacional de Música TINHA que ter sido ganho por Ana e Suas Irmãs, belíssimo projecto com uma agradável cantiga de Nuno Rodrigues. Não foi, no entanto, e eu apanhei uma camada de nervos. Adiante...

Do Prémio Nacional de Música saiu vencedora Dora, com "Déjà-vu", sentimento partilhado por muitos portugueses quando a viram: "esta não é a serigaita que cantava o 'arreia as calças gabiru' ou 'não sejas ruim par'mim' ou qualquer coisa assim?". Pior ficariam quando coube igualmente a Dora interpretar a canção que José Calvário e José Niza, consta que num armazém ali a Braço de Prata, conceberam como hino às práticas sado-masoquistas: "Voltarei", a canção que, finalmente, nos foi representar a Dublin.

Se musicalmente "Voltarei" é um pastiche de power ballad à Meatloaf cantada pela Bonnie Tyler dos pobrezinhos, já liricamente a coisa é de outra água. José Niza confere uma toada noir, toda ela coiros curtidos, correntes, pulseiras de estrangulamento, ao que parece ser só uma cançoneta de ai jesus que lá vou eu. Atentemos nalgumas das subtilezas:

VOLTAREI P'RA TI
ESPERAREI POR TI
POR TE AMAR ASSIM - primeiro indício, com aquele indiscreto "assim", que isto não é só um amorzito banal
VOLTARÁS P'RA MIM

ESPERAREI POR TI
SOFREREI POR TI - e isto dito assim como quem nem repara...
VOLTAREI POR TI
VAMOS JOGAR ATÉ AO FIM - ora cá está; a componente lúdica, "isto somos só a gente a brincar, amor"

1, 2, 3 VOU COMEÇAR - belíssimo verso, prenhe de simbolismo, vertendo toda a ritualização do 'contrato prévio' sado-masoquista
É AGORA A MINHA VEZ - saudável visão de alternância
ESTOU AQUI E NÃO ME VÊS
PORQUE ANDAS CEGO - presume-se que o parceiro foi vendado, prática habitual no milieu

FINGI QUE TENHO OUTRO AMOR
PARA PÔR NO TEU LUGAR - isto sim, isto é poesia com responsabilidade social!, ao que cremos, é o primeiro verso português a popularizar o uso do vibrador
AGORA FICO A GANHAR
POR DOIS A UM SEM TI - (presume-se que fosse um daqueles que dá a volta)

MAS FIQUEI SEM TI
POR TE AMAR ASSIM
QUEM RI MELHOR CHORA NO FIM - o verdadeiro slogan do S&M português... 

O JOGO JÁ TERMINOU
A NOITE TAMBÉM PASSOU
QUEM PERDEU OU QUEM GANHOU
EU JÁ ESQUECI - o compromisso de reserva e discrição: fina a noite, ninguém precisa de saber quem foi açoitado por quem

AI, JOGO DE SORTE E AZAR
O AMOR É COMO O MAR
TEM MARÉS DE IR E VOLTAR
E EU VOLTAREI P'RA TI - Dora pungentemente retrata a submissa, a que volta para novas brincadeiras com velas e cordames de navio e plainas... não?... plainas não?

VOLTAREI P'RA TI
ESPERAREI POR TI
VOLTARÁS P'RA MIM

ESPERAREI POR TI
SOFREREI POR TI
VOLTAREI P'RA TI
TU VOLTARÁS P'RA MIM

VOLTAREI P'RA TI
VOLTAREI P'RA TI
ESPERAREI POR TI
VOLTARÁS P'RA MIM

O vídeo era uma coisa insossa; muito mais gratificante é esta versão em que se pode ver a Valentina e o Sequeira:




E foi assim, 1988. Depois disto, como não havia o Chiado de arder?

quinta-feira, 3 de maio de 2012

O QUOTIDIANO NA ALDEIA

O coveiro andava a matar toupeiras à pazada quando ouviu chocalhar os ossos de Armindo na cova ‘cloc, cloc, cloc’, mesmo ao lado do Jazigo do Dr. Telles e esposa. Aproximou a orelha da lápide e hesitante perguntou: -‘És tu Armindo?...’ Uma voz abafada soou lá de dentro: -‘Sou pois, caralhos ‘ta fodam’. O coveiro destapou a campa e tirou os ossos para fora. Armindo sacudiu a poeira dos andrajos putrefactos que lhe serviam de roupa e suspirou longamente, inalando o ar puro das serras. –‘Arre, caralho, já bebia duas malgas dele. Tenho mofo até aos…’ E olhou para o osso pélvico onde costumava estar a sua masculinidade e onde agora apenas havia um enorme vazio. Foram até á tasca do Merda Seca onde Josué estava a vomitar para a serradura no chão e a gritar: -‘A minha Adozinda cheira a peixe, rapaziada! Acreditem. Ainda no outro dia a mãe lhe deu umas bolas de naftalina para enfiar no vazadoiro e foi o mesmo que nada…Pachos de creolina, nada. Pegar fogo à pintelheira ensopada em álcool canforado…nada,…ai foda-se que preciso de apanhar ar…’ Uma golfada de vómito cor de vinho tinto atingiu Armindo e o coveiro que já estavam a petiscar umas peles de bacalhau assadas e umas malgas ‘dele’. Nisto, Adozinda perseguia um burro tinhoso que já quase não tinha pelo e tinha a pele coberta de chagas supurantes. O bicho zurrava de desespero e corria à frente de Adozinda tentando escapar. ‘Cloc cloc cloc’- Era Armindo que se aproximava. –‘Ó mulher, deixa lá o animal! Anda lá é beber umas malgas dele!...’ Adozinda deixou o pai a tentar ordenhar o burro, que entretanto se acalmou e foi com Armindo à tasca do Merda Seca. No caminho Armindo contou-lha da triste figura de Josué que gritava inconveniências sobre ela na taberna. No caminho passaram pela vala que tinha o pontão. ‘Armindo disse a Adozinda: -‘Sabes que sempre quis casar contigo’. E foram para dentro do pontão que continuava meio de lama e bosta e tinha lá dentro duas ovelhas mortas e cheias de larvas de varejeira que as ratazanas mordiscavam. Armindo tirou um enorme peixe-espada do bornal. A mãe de Adozinda estava a fazer umas benzeduras ao tornozelo inchado do pai de Josué, Aldemiro, que tinha levado um coice do burro, tropeçado e dado uma queda. Besuntava-lhe o inchaço com enxúndia de galinha rançosa com açúcar e dizia: ‘Zesus que é o Santo nome de Zezus, onde está o Santo Nome de Zezus não entra mal nenhum. A Virgem é filha de Santa Ana, Santa Ana é mãe da Virgem. Zezus Cristo é filho da Virgem e a Virgem é mãe de Zesus Cristo. Vestes e revestes sacerdotes no altar e assim como o sacerdote se veste e reveste no altar, ossos e linhas do meu Aldemiro vá ao seu lugar, isto seja tão verdade como Jesus Cristo disse missa no altar’. Nossa Senhora, Virgem pura, tragas linhas ossos e tendões do meu Aldemiro, amém ‘. De seguida rezou um salve-rainha à N.Srª dos Desmanchos e fez o sinal da cruz sobre o inchaço três vezes. Nisto, surgiu Josué cheio de vómito do peito até aos pés e disse:- ‘’ bênção, senhora minha sogra’. ‘Deus te abençoe’. Disse-lhe a sogra. O pai regorgitou uma golfada de esperma de burro e foi cortar um naco de toicinho com broa para a merenda que acompanhou com duas malgas ‘dele’. FIM

quarta-feira, 2 de maio de 2012

O DESTINO OFERECE PRESENTES EM DESACORDO COM O LIVRO

Josué ficou na aldeia a acabrunhar pelos cantos. Afiava paus e ia acrescentando baraças a uma bola de cordel que guardava por ócio no bolso. Uns pândegos da taberna do Merda Seca ainda lhe conseguiram pregar duas bezanas para o distrair, mas o rapaz morria de tristeza. Na procissão da Senhora dos Desmanchos ia em último com os cães e perdeu-se pelo meio das giestas a caminho da ermida. Só o encontraram uma semana depois amigado com um pastor que lhe dera cinco e quinhentos. O Pastor era Armindo, que tinha o hábito de se menear pela aldeia aos domingos com uma cantarinha à cabeça. O pastor tinha ficado assim desde que bebera um chá de lacrau receitado pelo virtuoso de Perneanes para uma quebradura num testículo. Antes era um rapaz folgazão e bem-disposto. Depois do chá, volta-não-volta, enganava Josué e aproveitava-se da sua infantilidade para lhe fazer mal. Um dia, Armindo apareceu pela manhã enforcado numa amoreira do adro da igreja. O pai de Josué foi o quem o descobriu com a face roxa e com a língua de fora, mas como tinha de ir entregar umas enxúndias ao sacristão não deu importância ao caso. O sacristão já não morava ali e tinha-se dedicado a curtir peles numa aldeia vizinha, pelo que o pai de Josué ficou sem saber o que fazer às enxúndias. O morto, ao fim de uma semana começou a cheirar mal e começou a haver abortos na aldeia devido aos ares pestilenciais. Os aldeões dividiram o rebanho entre eles, assaram todas as ovelhas, comeram e beberam. Josué alheava-se do ambiente festivo e continuava a suspirar. Especialmente na feira, de olhar vazio, afagando os peixes-espada, os safios, as bogas e mesmo as sardinhas de barrica. Uma vez, foi para o pontão, que entretanto estava já meio de lama e tinha uma ovelha morta, para poder afagar e cheirar sossegado um pargo-mulato, que comprara a custo com dinheiro roubado a seu pai. Apanhou o velho distraído a falar sozinho enquanto afagava um talo de couve e surripiou-lhe dois contos de reis. Uma carroça de pargos custava quinhentos escudos e o peixeiro prometeu-lhe que traria o resto dali a umas semanas. Josué, no pontão ejaculava na barriga do pargo e ria-se porque parecia que ‘o bicho tinha ficado com ovas de repente’. –‘Sus! Ó Josué! És tu, carago?!’ – Disse uma voz feminina vinda da entrada do pontão. Era Adozinda que tinha logrado conduzir a sua cadeira-de-rodas até ali. Tinha caído várias vezes pelo que se apresentava enlameada e com uma escoriação na cabeça por onde escorria massa encefálica. –‘Ó rapariga! Bons olhos te vejam! Ai o meu coração, que saudades eu tive de ti, tanto peixe que…’ – E enbargou-se-lhe a voz. Abraçaram-se longamente e depois saíram montados numa vaca em direcção à aldeia. –‘Conta lá moçoila, o que te aconteceu? Enriqueceste em Penajoia?’ –Perguntou Josué. – -‘Não foi Penajoia, foi Abrantes, caralhos!...’ –Retorquiu Adozinda sorrindo com o seu único dente. –‘Fui para lá servir na casa de um senhor que era talhante. Fiz tanto broche pá… Mas tinha cama e roupa lavada. E comida. Uns nacos de sebo, quando os conseguia tirar aos cães…’ – Mas fiquei rica, sim. Juntei quase dois contos de réis. Até comprei um penso higiénico, queres ver?’ – E mostrou uma toalhinha turca ensanguentada a Josué. Quando chegaram à casa do pai de Josué este assustou-se pois não reconheceu nenhum dos dois, desencavou do ânus do pai de Adozinda e ficou com o coração a bater e com a tensão arterial muito alta e a sentir-se mal. –‘Ai rapaz, que susto me pregaste…e essa velhota que vem em cima da vaca quem é? Já hoje tive de me zangar com o homem do peixe que veio cá deixar três carroças de pargos. O cabrão….Mas fodi-lhe o peixe todo ao pontapé, carago! Josué e Adozinda olharam a imensa pasta de peixe esmagado ao sol que se espalhava na rua em frente, pela entrada da loja dos animais, que saía pela janela do primeiro andar e pela chaminé. Uma velhinha varria serenamente a rua por entre os monturos de bosta de vaca e peixe. Depois, começou a introduzir o tortuoso cabo da vassoura de giesta na senaita, largando guinchinhos roucos e pequenos flatos. Era a mãe de Adozinda, que afinal estivera viva desde sempre e que o pai tinha tomado por morta porque se embebedou e foi a outro enterro nessa tarde e ela não lhe disse nada para não o aborrecer – que ele, nessa época, tinha mau vinho. FIM

segunda-feira, 30 de abril de 2012

FORGIVE & FORGET

A vala estava cheia de silvas mas Adozinda logrou encontrar o pontão, aquela espécie de pequeno túnel para escoamento de águas, que atravessava por debaixo da estrada. Josué, o parvo da aldeia, já lá estava á sua espera com uma pequena lamparina de álcool acesa para alumiar o esconso túnel. Também tinha posto no chão uns cartões para não se enlamear. Tinha trazido um papo-seco com chouriço para matar a fome enquanto Adozinda não chegasse. Ela tirou as cuecas e do bornal tirou um carapau. O rapaz sorriu, acabou de engolir um naco de pão com a ponta do chouriço, a que tinha o cordel e ficou á espera. Adozinda começou a passar lentamente o dorso do carapau na vagina, até ficar com os pelos púbicos cheios de escamas. O rapaz continuou a mascar o cordel do chouriço e a olhar para ela. Depois ela virou o peixe ao contrário e começou a esfregar a intimidade com a parte da barriga. As tripas do peixe começaram a sair para fora e a escorrer pelas virilhas. Com um dedo diligente, Adozinda retirou as ovas do carapau e esborrachou-as contra o clitóris. Josué apanhava os pedacinhos de tripa, assava-os na lamparina e entretinha-se a dá-los às ratazanas que por ali passavam. Nisto, uma enorme cabeça assomou a entrada do pontão. Era uma vaca que pastava na vala e foi atraída pelos gemidos de Adozinda e os risinhos de Josué. Era Emídio Bezelga que andava a pastar o animal e a trazia presa por uma arreata de corda. - ‘Ó daí! O que é que vocemecês estão fazendo aí dentro, omessa?’ – gritou Emídio na entrada do pontão. - ‘Ai, cruzes. Estamos a fazer a merenda, carago!’ – disse Adozinda. -´Ó valha-me o Menino Jesus,…aí dentro? Vocemecês não a estão fazendo boa, ai não estão não…’- Gritou Emídio. Josué tinha-se assustado e saído pelo outro lado do pontão, fugindo pelo campo do outro lado fora, até se esconder atrás de um sobreiro. Adozinda saiu acocorada do pontão sem cuecas nem saias e com o carapau todo espapaçado e com a espinha meio partida numa mão. Emídio Bezelga olhou estupefacto para as miudezas da rapariga e para a pasta de tripas e pêlos que escorria pelas virilhas para cima das socas. -‘O que é que tu estás a olhar, ó Emídio? Nunca viste, foi?’ – Disse ela. A patear a lama da vala, afastou-se a resmungar sozinha brandindo o que restava do peixe. Duas semanas depois Josué e Adozinda foram obrigados a casar. A boda foi de arromba: o pai de Adozinda matou dois porcos e o de Josué duas vacas, mas deixou-as caídas numa vala a apodrecer e cheias de moscas porque se esqueceu onde as tinha deixado. Emídio Bezelga também perdera a sua vaca, que entretanto morrera atropelada e por isso ele embebedou-se a valer na boda. Gritava: -‘Era tudo mentira, carago! Eu não vi o Josué a comer o melhor da Adozinda. Eu tenho é inveja. Eu é que queria casar com ela, carago! Ai, caragos, homem, que eu fui desgraçar estes dois pobres moços…!’ Josué esquecera-se que tinha acabado de casar com Adozinda e foi, como de costume, armar aos pássaros para o olival do pai. Lá, o pobre ancião estava a acabar de bater uma zumbinha e a sacudir a gosma para cima duma panelinha de barro que estava ao lume e divertia-se a ver fritar o seu próprio sémen. Embaraçado pela súbita aparição do filho, disse-lhe: -‘Então, Josué, quando é que vais ás sortes?’ O rapaz disse-lhe: -‘Mas, ó pai, já fui…só que não me aceitaram porque sou parvo, lembra-se?’ -‘Ah pois, é verdade. Olha filho, vamos é aqui beber uma malga dele e deixa lá a Adozinda. Ela que se vá foder, mas é’. Adozinda também abandonara a boda, onde já estava quase toda a gente bêbada e caída no chão. -‘Eu quero é que eles se fodam todos…Eu vou servir para Barcelos e nunca mais me põem a vista em cima’. Passado uns seis meses, o pai lembrou-se de Adozinda e foi ver se a via, como era hábito, a brincar com os porcos. Lembrou-se que a filha gostava de se ir esconder no pontão, mas só lá encontrou Josué que tinha tirado a pele de um chouriço inteira e a estava a experimentar como se fosse um preservativo. -‘Atão, ti Jacinto! Tal vai isso?’ -‘Viste a minha Adozinda, Josué?’ ‘Não vi, não senhora. Eu acho que ela foi servir para Lamego há umas três semanas. Ou foi para França, não me lembro bem’. -‘Obrigado rapaz, Deus te guarde’. -‘Adeus Ti Jacinto!’ Passados dois anos, Jacinto recebeu uma encomenda que dizia assim ‘ Para a minha mãe mando este transístor para ouvir a ‘Simplesmente Maria’. Beijos. Adozinda’. O pobre homem deixou rolar uma lágrima pela face enrugada e disse baixinho: -‘A pôrra da moça não se lembra que a mãe morreu com um coice de uma vaca quando estava a ordenhar, quando ela tinha seis meses, carago…’ E foi a cambalear até á taberna apoiado na sachola. FIM

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Manifesto

Por um novo cinema – o porno neo-realista

1. Vão difíceis, os tempos.

2. Os tempos vão difíceis e não caminham para fáceis.

3. Caminham, os tempos, mas devagarinho, agarrados à arrastadeira. E usam fraldões para incontinentes.

4. A malta vê-os passar, os tempos, no seu andar miudinho, mas finge que não repara.

5. É preciso mostrar o que as pessoas não querem ver, destes tempos. É preciso afocinhar naquilo que se preferiria ignorar.

6. A única maneira de trazer à consciência aquilo que se preferiria ignorar é através de uma objectificação.

7. Nada objectifica melhor que a pornografia.

Estes são os pressupostos básicos para a construção de uma nova linguagem cultural que o Movimento Vareta pretende instituir. Uma linguagem política e socialmente empenhada, devedora do neo-realismo, mas ultra-capitalista na consciência clara e sadia de que a única forma de integrar os elementos sociais ‘invisíveis’ é através da sua exploração comercial.

Como fazê-lo, então? Com verdade! O porno neo-realista pretende-se uma nova linguagem, mais verdadeira que o cinéma vérité, mais documental que o documentário, politicamente subversiva. Pretende-se transformar o tempo da masturbação num momento de reflexão social e política. Cremos que é urgente. Cremos que é preciso.

Caso 1 – Os sem-abrigo

Os sem-abrigo incomodam. Estorvam. Estão para ali. Não têm uso. Não aproveitam a ninguém. Empecilhos. Ao menos que os escondessem. O porno neo-realista não pode ficar indiferente a este desejo de não ver. É preciso mostrar os sem-abrigo enquanto objecto puro, sem qualquer espécie de subjectividade. E como? Mostrando-os a pinar; trazendo à líbido colectiva a imagem do sem-abrigo enquanto objecto da luxúria. É assim que a primeira produção do Movimento Vareta se projecta, sob o título “Aceitam-se esmolas... pela frente e por trás” – a história crua de uma sem-abrigo madura e da sua sexualidade. Cientes da diversidade do mercado, outros títulos se perfilarão, com a colaboração dos notáveis especialistas desta casa, como “Incidências do abcesso anorretal na população sem-abrigo” e “O matulão do cartão”.

Caso 2 – A ruralidade

Vou ali ao shopping. Apanho transportes. Sou cosmopolita e urbano. E a minha tia-avó ainda vive num casinhoto numa aldeia esquecida onde não vou porque não é bem o meu mundo. O porno neo-realista não pode ficar indiferente a este desejo de não ver. É preciso mostrar o mundo rural como ele é, enquanto objecto, sem lirismos nem significado. E como? Mostrando-o a pinar. O Movimento Vareta projecta para breve as longas-metragens “Lá me partiram a cantarinha”; “Tudo medra no regadio”; “Vou dar de comer ao gado”; “Deita aqui o Foskamónio” e o futuro clássico “Uma na enfusa, outra no almude”.

Todos os filmes do Movimento Vareta serão fruto de um aturado trabalho de campo, com elencos de amadores recrutados entre as populações alvo, sem caracterização e sem argumento. Pretende-se o nu e cru da sexualidade dos retratados. Não é uma questão de ‘dar voz a quem a não tem’; é antes a assunção clara de que a fetichização, no sentido marxista do termo, é a única forma de trazer ao mercado aquilo que o mesmo empurra para as margens. Projectos como “Balbúrdia no Piquenicão”, sobre os clichés da baixa cultura; “A peida do almeida”, sobre a recolha de lixo; ou “C’a ganda seringa!”, sobre a toxicodependência; pretendem acordar a reflexão sobre estes temas ao nível primário da tesão – para que a pornografia e a masturbação não sejam escapes mas antes formas activas de envolvimento social. Em última instância, cremos ser o desejo o único cimento da verdadeira integração.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Histórias que acabam depressa, III

E ele esmaga o cigarro no cinzeiro e vai e diz:


- Sabes, começo a estar naquela idade em que um dos meus medos é que alguma miúda hipster me venha dizer "Gosto de ti porque és vintage".

sábado, 7 de abril de 2012

Histórias Pascais (porque não? - ao estilo das histórias do Vareta)

Ele: - Tenho a sarça ardente.
Ela: - É um milagre, ao fim de tanto tempo...

sexta-feira, 30 de março de 2012

Histórias que acabam depressa, II

E ele vai e diz:

- Não posso jogar à bola com o miúdo que tenho aqui uma unha encravada.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Excessive Masturbation


quinta-feira, 8 de março de 2012

Histórias que acabam depressa, I

E ela vai e diz:

- Gosto do teu perfume. Cheira assim a... a Skip.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Microfábula coreana

Havia, certa vez, uma cabeleireira em Seul. Chamemo-lhe D. Luísa Kim – chamemo-lhe isto e não outra coisa por duas razões: à uma, porque a cabeleireira da minha mãe, durante longos anos, se chamava D. Luísa (se bem que não fosse a própria D. Luísa a justificar a fama do salão, mas sim uma jovem roliça e de boas cores chamada Cristina que, dizia-se, nascera já imbuída da mais solene e difícil mestria na nobre arte do secador de mão); à outra porque há mais gente de apelido Kim na Coreia do que Santos no Martiriologium.

Aos 62 anos, D. Luísa Kim era uma empresária individual de sucesso moderado. O seu salão ocupava o primeiro andar de um edifício do seu tempo: um espelho, em tijolo, cimento e vidro, de toda uma geração; pequeno; atarracado, mesmo; com um certo ar de ter sido mal nutrido na infância e de ter passado por muito; ataviado de alguma bijuteria moderna em remendos que potenciavam, mais do que escondiam, as marcas deixadas pelo tempo. Um edifício abnegado, ele mesmo um sacrifício em favor de algo em que se acreditava como valor, então: a ocupação pragmática e pobre de uma parcela de espaço para mais um berço da classe média, fronteiro ao mercado da electrónica na zona de Yongsan. Um restaurante de galinha frita e cerveja, no rés-do-chão, e D. Luísa Kim ao cimo de uma escada mal lançada. Porta de vidro automática, um secador de pé para cada uma das duas cadeiras, plantas tísicas em vasos de plástico, que eram já um caso de estudo sobre a não bio-degradabilidade do material, decoravam as três janelas que pontuavam a fachada – termo que se devia mais à orientação que a qualquer cuidado extra com o aspecto da dita em relação aos outros três lados do edifício. Um chão de linóleo azul, enxaguado muitas e muitas vezes, a limpeza deixando ver melhor as marcas da sua maioridade. Muita luz branca, verdadeiro dilúvio da dita, sinal último do espírito do lugar: modesto, sim, mas não humilde. Que o que ali se operava não era qualquer manobra de encobrimento mas a assunção plena, no espaço e nas clientes que o demandavam, de que certas coisas não têm reparo. A idade.

Como é que tudo começara? Como tudo o mais, naquele tempo: para evitar algo pior. Não se lembrava de alguém que, na sua geração, tivesse podido escolher. Depois da guerra e da pobreza, a única aspiração era por algo que tivesse qualquer sabor de normalidade. Talvez tivesse sido esse o segredo do milagre económico; gerações inteiras que de bom grado prescindiram do presente, que só desejaram ter o que fazer, ter com que se ocupar todas as horas do dia, para que o sal não fosse chegando às feridas. A sua mestra, Grace Park, havia aprendido o ofício com as mulheres dos militares americanos. E o ofício era simples: permanentes e mises de rolos. Ponto final. Eram esses os dois caminhos da normalidade e mais nenhum. Quarenta e seis anos de rolos e papel de alumínio, muito mais engenho que qualquer sombra de arte, fidelizando uma clientela perfeitamente alheada de qualquer desejo de beleza, que só queria ser como os outros e sentir que agora estava tudo bem.

Casara, como todas. Homem taciturno, de vida digna, vendendo material eléctrico. Afogado, por fim, num poço de soju e de silêncio. Uma década de viuvez e um filho de 36 anos ainda em casa. Lento e inseguro, Samuel Kim era já da geração que tinha à sua frente escolhas demais. A transição: atrás de si, os que se apagaram no trabalho; à sua frente, os que davam uns tíbios primeiros passos no caminho estranho de tentar assumir alguma individualidade. E ele no muro.

Agora que tinha mais tempo para isso, D. Luísa Kim dava por si alimentando um só desgosto: o de não ter casado com um americano. Mesmo se da soldadesca, conquanto não fosse preto. E havia tantos, no seu tempo. De repente, e havia sido de repente, reparara como o seu filho era ainda uma prova física do passado que ela queria ver enterrado de uma vez por todas. De repente, o corpo do seu filho ofendia-a pelo excesso de normalidade, daquela normalidade antiga em que tudo se anulara. Independentemente do que ele viesse a fazer com a sua vida, estava ali a sua protuberante cabeça coreana, o seu largo e baixo pescoço coreano, as suas coxas coreanas grossas como troncos. E hoje viam-se tantos estrangeiros na rua; cabeças pequeninas, pernas delgadas, pescoço alto... Os próprios coreanos mais novos pareciam ser já de outra qualidade, qualquer coisa mais de laboratório, como a batata holandesa. Mas o seu filho... ali estava o passado, em grossas vigas, mesmo à frente dos seus olhos. Tudo mudara tanto, no seu tempo, e as pessoas não se haviam importado porque estavam a produzir essa mudança – havia mises e permanentes, mais destas que das outras porque duravam mais e ficavam mais em conta; fazia-se assim porque era assim que se fazia. Só que agora, agora que parecia ser tempo de começar a pensar em pousar o secador, parecia também ser uma altura em que, como dizê-lo... as pessoas pensavam em si, ainda que nem sempre por si. Na forma do seu filho, D. Luísa Kim via a materialização de uma coisa que parecia não mais ter lugar nos dias de hoje: o trabalhador, um corpo nascido já como uma função subordinada.

Sofia Lee, a sua assistente no salão desde há dois anos, iria ser sua nora, mais mês menos mês. A moça e o seu filho ainda não se conheciam – nem isso interessava. Já era altura, para um e para outro. Já falara com a mãe dela e as contas haviam ficado acertadas. Sofia era uma rapariga das de agora; cabelo liso em cima de uma cabeça que pensava em roupas e cosméticos. Tinha jeito para as unhas e não se saía mal com o secador. Fora isso, tinha duas qualidades fundamentais: era baça e maleável. Não era feia. Nem bonita. Uma ausência de qualquer brilho próprio, de densidade e, por isso mesmo, adequada para o seu filho. Não se desmereciam, um e outro. E já era altura. A sua esperança era a de lavar, nas águas daquela união, qualquer traço de passado das suas mãos. O capítulo final dos deveres e obrigações. Depois disso, algum descanso e talvez a cirurgia para as varizes.

Na pequena cozinha nas traseiras do salão, D. Luísa Kim tirou a caixa do kimchi do armário onde tudo se guardava: arroz, café instantâneo, tubos de tintas para o cabelo meio usados, até espuma de barbear para uma cliente que tinha certos problemas. Duvidava que a cachopa soubesse fazer kimchi, pensou, mas teria tempo para aprender. Tirou os pauzinhos metálicos da gaveta e sentiu um ligeiro arrepio aos pensar nos netos que aqueles dois lhe dariam. Olhou para o salão, deserto, e para o prédio novo que agora ficava mesmo em frente das suas janelas. E não haveria maneira de terraplanar o passado por inteiro?...

Nisto, vzzzzzzzzzzzzzzzzzzt!

Moral 1: o teor de amoníaco das tintas para cabelo é altamente tóxico quando ingerido

Moral 2: que a classe média descanse em paz

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Product placement - São Valentim




- Eu seja ceguinha... – disse ela, balouçando a chinela de felpo rosa no seu delicado pé esquerdo.
- Ceguinha era a Astérias, a doudivanas que desencaminhou o São valentim. – disse ele, entretido no hábito de fazer um nó no preservativo usado, não fosse aquilo verter.
Ela olhava, ausente, pela janela do quarto que cheirava a mosto, carapaus alimados, Brise de alfazema e à flor do castanheiro. A mão direita pesava sobre o seio nu como quem não teme ainda a próxima mamografia e os seus dedos brincavam distraidamente com o colar “Canções para Senhoras”, à venda na loja online da Chifre por apenas 6 euros.
- Lá vens tu, – despertou ela repentinamente – lá vens tu com essa merdice do conhecimento de pacotilha. Fosses tu como o Diego Armés a fazer canções para toda a gente com e sem literacia...
- Já ouviste o Canções para Senhoras? – perguntou ele, brincando com o preservativo como se fosse um iô-iô. Ou um pega-monstro.
- O quê? Tu também já ouviste? Muito me espanta...
- Até te comprei o CD por apenas 10 euros na loja online da Chifre! Uma espécie de pré-presente de São Valentim. – disse ele, impante de orgulho e disfarçando a porcaria que um buraco no latex havia feito à sua volta.
- Pois... parece que entretanto o teu corpo mudou... não sabes estar quieto com essa merda e pô-lo de uma vez no caixote do lixo?
- Olha. E se eu te levasse amanhã a jantar ao Burgau?
- Não sejas parvo, tenho que trabalhar... – a chinela tombou-lhe do pé quando se levantou para vestir o robe-de-chambre rosa decorado com os pins Canção Sentimental, Entre Dentes, A Cadeira, Canções para Senhoras e Senhora, comprados cada um por apenas 3 euros na loja online da Chifre.
- Dizes isso, assim... a medo e entre dentes.
- Querias o quê? Uma rima excepcional? Tenho que trabalhar, o que é que queres que te diga?
- Já vi... estás com a telha, não vale a pena falar nisso, nem perco tempo a tentar nas horas más.
- Que gracinha que o moço tem... Anda, vai tomar duche. Estou para ver como é que vais tirar essa merda dos tapetes de carpélio.
- Não lhe chames merda. Podiam ser os nossos filhos...
- A sério...
- És um querido. – ela olhou-se ao espelho, ele seguiu para o chuveiro. – Se conseguir sair mais cedo, amanhã, podemos ir ao frango da guia...








quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O lado longínquo do Mundo


Sou especialista em bestas, mais concretamente em atrair bestas, das quais depois tenho dificuldade em desenvencilhar-me. Viscosas, moentes, histriónicas, insidiosas e cruéis todas. Fazia-me lembrar uma prima que tenho, trigueira, de nariz grande e que eu não vejo há muito tempo: o cabelo negro, ligeiramente crespo, para o baixo, olhos castanhos grandes e sobrancelhas fartas. Vista de perto, a pele da face apresenta os poros dilatados, um problema de compleição dir-se-ia. Fez questão que fosse lá a casa. Primeiro mostrou-me a biblioteca. Dois tomos de Civitas Dei cheios de ‘post it’s amarelos e rosa. Depois, os vinte quatro volumes das 'Causas da Decadência da Igreja' de Georg Sand , uma biografia de Hoerbach, um portulano e um missal jesuíta de Anastacius Kirscher compunham a sua colecção de livros, que me mostrou. ‘Afinal, onde devo procurar o gato e como o devo reconhecer’ – atalhei. ‘Não sei bem. Foi visto a fugir por uma tampa de esgoto abaixo em Campo de Ourique, mas não tenho a certeza se me disseram a verdade’. Peguei na mochila, virei-lhe as costas e preparei-me para descer a velha escada de madeira e já galgara três lances dois a dois, ao que ela disse -‘Vem cá. Vamos foder! Lavei os lençóis por tua causa’. Desacelerei o passo mas não voltei atrás. ‘Não costumo, com as minhas clientes; é má deontologia. Desculpa’- Voltei a acelerar o passo. Apanhei o americano puxado por dois emigrantes sudaneses e com uns trocos que ainda tinha no bolso paguei ao revisor, que me passou um bilhete da máquina dispensadora que trazia a tiracolo. No americano, uma pequena televisão a preto-e-branco mostrava uma cinquentona ruiva a demonstrar reiki aplicado aos gatos. Uns eflúvios luminosos, que disse serem cor-de-rosa saíam-lhe das mãos para a cabeça do gato, mas aquilo pareceu-me pós-produção. Saí na Silva Carvalho, por baixo de um lodão. De mãos nos bolsos, comecei a procurar o gato, sem resultados. Passados vinte minutos, desisti e fui comer. Num banco, ao balcão estava ela a comer massa. ‘Já o encontrou?’. ‘Não. Mas ainda agora comecei.’ Pedi uma terrina de bacalhau em calda e comecei a comer em silêncio e de mochila ás costas. ‘Amanhã, tenho de apanhar o comboio. Antes disso, vou-te deixar uns apontamentos sobre marcas particulares do gato, manhas, hábitos e outras coisas que vais achar úteis, se o queres encontrar’. ‘Não quero. É pelo dinheiro. Não te serve outro gato? Vi vários por aí…’. -Disse de boca cheia. ‘Irmãozinho, não me serve um qualquer’. Tirou os fones, meteu-os nos ouvidos e foi cantarolando enquanto raspava uma nódoa da mini-saia. O empregado, com um lenço vermelho atado na cabeça aproximou-se de mim e disse: ‘ vi esse gato na biblioteca’.’Hum…qual biblioteca?’. ‘Entre os volumes quinze e dezassete das 'Causas da Decadência da Igreja' de George Sand. Falta-lhe o dezasseis’. Engoli o nabo cozido que acompanhava a terrina de bacalhau e saí a correr para casa dela. Subi as escadas e com um cartão da Carris, abri o trinco. ‘Esta gente, que deixa a porta só no trinco…’-pensei. Da estante tirei o décimo quinto volume das ‘Causas’ Lá estava um gato seco, só já pele e ossos, esborrachado como se tivesse sido passado a ferro e com ovos de traça. Ela tinha vindo atrás de mim. ‘Já me tinha esquecido que o tinha deixado aí. Fui atropelada por um triciclo motorizado com batatas há dois anos. Tive um traumatismo e estive em coma. Esqueci-me de muita coisa. Até do gato.’ Começou a chorar. ‘Como é que o empregado do bar sabia?’ – disse. ‘Acho que escrevi na ementa. Tirei o papel para fora e escrevi. Tenho episódios de escrita automática desde o acidente. Ou talvez cá tenha estado alguma vez. Ele trata-me como se me conhecesse e eu não me lembro nada dele.' ‘Deves-me trezentos euros’. – Disse-lhe eu estendendo-lhe o gato seco e passado a ferro. Ela afagou o gato. Pegou-me na mão e puxou-me para o quarto. Fodi-lhe o rabo a seco, porque ela assim me pediu. Suou, vermelha como um pimento e doía-lhe de certeza, mas não proferiu um ‘ai’. ‘Só me deves duzentos e noventa e cinco’. Peguei na mochila e fui-me embora a pensar se a quereria ver outra vez, caso em que lhe devolveria o dinheiro. 'Logo penso nisso'.

sábado, 21 de janeiro de 2012

ANÚNCIO

VENDE-SE CÃO COM A PATA FODIDA


segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Breviário de estilo - frases quebra-gelo, 2

"Eu concordo contigo; a sociedade e a própria linguagem são bastiões de misoginia e sexismo. É por isso que chamar-te 'ó caralha!' é um exercício de empowerment, um combate à visão da mulher como castração, percebes?"

Breviário de estilo - frases quebra-gelo, 1

"Pssst. Fela-me."

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Unfair