sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Subsídios para a epistemologia e hermenêutica da cultura popular, 2

Carlos do Carmo e o aborto

(não, este não é um texto sobre o Gil do Carmo...)

O ano áureo de 1976 ficou indelevelmente marcado, no que toca à cultura popular portuguesa, por dois fenómenos de inigualável quilate que, não podendo ser interpretados em conjunto, se assumiram como duas forças centrífugas que marcaram a evolução de duas correntes diversas que ainda hoje coexistem no panorama da produção artística nacional: a literatura varetiana e os glutões do Presto.

Falamos, é óbvio, dos primeiros vagidos de Vareta Funda, eterna melodia de esperança que soou nos idos de Março na Clínica de Santa Iria, e falamos também da memorável noite de 22 de Fevereiro, no Estúdio 1 da RTP, em que Carlos do Carmo e Eládio Clímaco trocaram olhinhos meigos, sob o olhar complacente de Ana Zanatti.

Num ano de festival monozigótico, em que todas as oito canções a concurso foram interpretadas pelo mancebo portalegrense da voz maviosa que certa vez chegou a retalhar a vida de um médico (médico esse reconstituído em colcha, que Cila do Carmo conserva na sua caminha de solteira), o POVO, o povo que ainda recentemente recebera a alternativa do toureio político, o povo apoderado da madrinha democracia, o povo que no meio da arena fazia verónicas aos cornudos fantasmas do passado (em pontas), o povo, dizíamos, o povo escolheu e clamou: “Vai o aborto!; para a Holanda, vai o aborto!”

Não que se fosse à Holanda abortar, não. Ir-se-ia à Holanda jogar à Eurovisão, com o Senhor do Carmo em camisola 10, treinado por José Niza e com massagens de Manuel Alegre. Ou mensagens. Ou mamensagens. Ou menmassagens. Gostamos de neologismos como gostávamos então, naquela redentora madrugada. Adiante.

O povo escolheu pela imprensa – sistema elitista, é certo, ligando o voto à literacia e aos tostõezinhos para o jornaleco. E escolheu (mal, devia ter ganho o “No teu poema”) a primeira canção portuguesa que aborda o tema do aborto sob o ponto de vista masculino (ou quase) da poesia (ou quase) de Manuel Alegre (ou nem tanto): “Uma Flor de Verde Pinho”, com o patrocínio do Brise Contínuo.

Que nos dizia, então, Alegre sobre o aborto? Vejamos:

EU PODIA CHAMAR-TE PÁTRIA MINHA

DAR-TE O MAIS LINDO NOME PORTUGUÊS – o nomear como trazer à existência; Alegre em toada Heideggeriana ou as meias-voltas desta coisa da poesia, em que o anti-fascista dá a mão ao proto-nazi

PODIA DAR-TE UM NOME DE RAINHA

QUE ESTE AMOR É DE PEDRO POR INÊS. – diz que era menina; Alegre, pondo seus académicos pés nos sapatões deformados pelos joanetes do pai presuntivo, carpe a melancolia do nome que ficou por dar à menina que ficou por ser; a referência camoniana é um momento maior neste poema: vislumbre da neurose, do progenitor obrigando o mundo a “adorar a morta”


MAS NÃO HÁ FORMA NÃO HÁ VERSO NÃO HÁ LEITO

PARA ESTE FOGO AMOR, PARA ESTE RIO – o somatório das impossibilidades, a não-existente-existência do feto abortado; imagens poderosas: fogo, amor, o carácter sanguíneo do rio, o des-desejo perante o órgão sexual da mulher que aborta


COMO DIZER UM CORAÇÃO FORA DO PEITO? – potente interrogação sobre o carácter forçosamente silente do aborto enquanto prática que não se consegue dizer


MEU AMOR TRANSBORDOU E EU SEM NAVIO. – o presuntivo pai recrimina-se por não ter usado contraceptivo


GOSTAR DE TI É UM POEMA QUE NÃO DIGO – como amar o que “morreu-sem-ser”?; mais um dar de mão a Heidegger no aceitar do dizer poético como morada do ser


QUE NÃO HÁ TAÇA AMOR PARA ESTE VINHO

NÃO HÁ GUITARRAS, NEM CANTAR DE AMIGO

NÃO HÁ FLOR, NÃO HÁ FLOR DE VERDE PINHO. – uma singela tergiversação pela imagética mundana da festa que se não fez, da expectativa gorada. “eu já tinha comprado o Brise Contínuo e tudo”...


NÃO HÁ BARCO, NEM TRIGO, NÃO HÁ TREVO – a carestia; não se trata de um aborto burguês, um empecilho evitado, como se conclui no verso seguinte:


NÃO HÁ PALAVRAS PARA DIZER ESTA CANÇÃO. – é adultério, senhores!; adultério dos pobres, sem lugar para cantiguinhas nem excursões a Badajoz


GOSTAR DE TI É UM POEMA QUE NÃO ESCREVO. – a iliteracia do presuntivo pai, numa esquinada elitista de Alegre: o sujeito, o presuntivo pai, não tem acesso ao dizer poético, sendo portanto, e ainda na toada Heideggeriana, um elemento (pouco dotado, intui-se), do “pensamento” científico


QUE HÁ UM RIO SEM LEITO.E EU SEM CORAÇÃO. – o transporte; de súbito, Alegre guina para o misticismo típico de um Ruysbroek, postulando um “transporte trágico” ao invés do transporte do êxtase que o místico holandês descrevia – estaria Alegre a jogar ao ataque, procurando agradar ao júri holandês? Bem se fodeu, de qualquer modo, que a táctica não deu pontos


MAS NÃO HÁ FORMA, NÃO HÁ VERSO, NÃO HÁ LEITO

PARA ESTE FOGO AMOR, PARA ESTE RIO

COMO DIZER UM CORAÇÃO FORA DO PEITO?

MEU AMOR TRANSBORDOU E EU SEM NAVIO.

GOSTAR DE TI É UM POEMA QUE NÃO DIGO

QUE NÃO HÁ TAÇA AMOR PARA ESTE VINHO

NÃO HÁ GUITARRAS NEM CANTAR DE AMIGO

NÃO HÁ FLOR NÃO HÁ FLOR DE VERDE PINHO.

E por aí fora... Alegre escrevia, Niza compunha, Carmo cantava. Diz que se gravou uma versão em francês, meses mais tarde. Era chique, na altura.

Para além de convidar a uma releitura de Heidegger, “Uma Flor de Verde Pinho” foi um contributo singular para trazer à luz da mediatização a temática proscrita do aborto – falamos de 1976, recorde-se; fosse hoje e Vareta Funda provavelmente não teria nascido, que o que se poupava em Nervovitamine sempre dava para um frigorífico novo... Em resultado disso, diz que hoje é legal (tanto o aborto como o Vareta) que e se pode fazer às claras, felizmente. E já sabem: se transbordarem, usem o navio - ou o cacilheiro do dia seguinte.

Feliz Ano Novo.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Art Class


quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Subsídios para a epistemologia e hermenêutica da cultura popular, 1


O DUO NEVADA

O ano de 1987 ficou indelevelmente marcado, no que toca à cultura popular portuguesa, por dois fenómenos de elevado quilate que, não podendo ser interpretados em conjunto, se assumiram como duas forças centrípetas que marcaram a evolução de duas correntes diversas que ainda hoje coexistem no panorama da produção artística nacional. Falamos, é óbvio, da primeira publicação de Vareta Funda, ainda sob o pseudónimo que os pais lhe haviam dado ao nascer, numa colectânea de poesia infantil lançada pela então Escola Preparatória n.º 2 de Tomar (obra de surpreendente maturidade e profundidade, articulando um pensamento bem definido, estruturado e estruturante da nova escola da filosofia portuguesa, agrupada sob o chavão necessariamente vago de "olha que o gajo/a gaja é mais esperto/esperta do que parece"), e falamos também da memorável noite no Casino do Funchal em que o Duo Nevada levou para casa um bocadinho da base misturada com suor da Ana Zanatti, como prémio pela vitória no Festival RTP da Canção.

Sendo que a exegese da obra singular de Vareta Funda tem já sido levada a cabo por académicos de renome, a nossa análise de hoje irá incidir no contributo maior que a obra lírica do Duo Nevada, melhor dizendo: de Alfredo Azinheira, aportou à reestruturação da mentalidade portuguesa no que toca a comportamentos sexuais recorrentes mas ausentes, por princípio, do debate popular sobre a matéria: o onanismo.

Sobre a singela melodia de Jorge Mendes e Alfredo Azinheira, com a acertada orquestração de Ramon Galarza, o Duo Nevada perpetrou um salto épico, um rasgar de limites no conteúdo lírico da canção popular - não se trata apenas da primeira letra inteiramente dedicada à masturbação (masculina, no caso) mas outrossim da coragem em assumir toda uma simbologia (vide videoclip acima) conexa, sobre a qual algumas pistas serão indicadas mais adiante.

Debrucemo-nos, de antemão, sobre a elegante obra de Alfredo Azinheira, que abaixo se transcreve, com análise de entremeio:

NESTE BARCO À VELA - o evidente mas não deselegante jogo gráfico transporta-nos, por homofonia, para a assunção fálica de que neste barco HÁ vela. Se Maria Velho da Costa argumentou, em defesa da canção de Mário Mata, preterida naquele festival, que este mesmo título é em si mesmo sexista e misógino, permitimo-nos salientar o frescor e a frontalidade com que Azinheira assume uma masculinidade inteira e não castrada, pré-freudiana, inscrevendo-se numa tradição telúrica e ancestral que, em 1987, ainda sob os escombros do terramoto Modern Talking, urgia recuperar.

No meu país há um rio

Que corre sem parar - quando Glória Marta, 2ª classificada no festival e vencedora do prémio interpretação, apareceu na capa da TV Guia afirmando que A. Azinheira escrevera estes versos tendo por tema a incontinência urinária de Jorge Mendes, procurando assim criar diferendos no seio do duo, a mesma aproximou-se, por defeito, da imagem metafórica que aqui é transmitida: a da vitalidade masculina, da infindável riqueza da produção testicular. A imagem país-corpo confere nitidez a este rio que corre sem parar, no fluxo constante do desejo-sémen.
No meu país um navio
Nem sempre se faz ao mar
- Azinheira introduz, pela primeira vez, de forma cortante e enfática, a temática do onanismo, não enquanto prática mas conceito; fá-lo ainda defensivamente, não negando totalmente, como o fará mais adiante, a impressão de "alternativa menor" que enforma o discurso público sobre a matéria: da parte do país-corpo, "nem sempre" há um esforço de contacto, de procura, de ligação ao exterior; é bela a forma como Azinheira aqui ilustra a temática do corpo como fronteira e insularidade.

No meu país a tristeza
Tem o nome solidão
- remoque subtil à condição social do onanista.
No meu país a beleza
Invento-a na minha mão -
e aqui sim, aqui o clamor de Azinheira, em belíssima imagem, sobre a assunção plena da prática masturbatória, uma verdadeira sublimação alquímica da punheta, se nos permitem, num eu que a si se contenta, espelhando de certa forma um criacionismo Deleuziano mas estanque, estanque numa individualidade singular Derridaiana ou, indo mais longe, na eleição do corpo como unidade básica e não comunicante do significado.

Navego um barco vazio
Que atravessa o rio
Para o cais da saudade -
numa incursão metafísica, Azinheira aborda a mortalidade e a condição solitária da travessia da vida, o 'ser sozinho', o carácter extrínseco da 'outridade' - com um vislumbre de alguma religiosidade patente na imagem circular que o "cais da saudade" transmite enquanto ciclo de morte e ressurreição.
Vou numa onda tão bela
Neste barco à vela
Que não tem idade - referência oblíqua à perenidade do prazer onanista.

Navego um barco tão cheio
Contigo no meio
No rumo da esperança - a subtil inflexão de destinatário é, a nosso ver, um dos momentos maiores do poema de Azinheira; a forma discreta com que 'o outro' é introduzida é trazida com mestria, com a localização precisa de "contigo no meio" como prova da centralidade (e porventura da discursividade?) física e literal do falo; o "barco tão cheio" como imagem potente da plenitude de si, da existência singular.
Vou numa onda tão bela
Neste barco à vela
Com ar de criança - novamente a perenidade, o carácter de 'amigo de infância' da prática masturbatória, da punheta como primeira memória do prazer.

No meu país há um rio
Que corre sem parar
No meu país um navio
Nem sempre se faz ao mar

O meu país é um sol
De raiva, de alecrim -
versos de grande carga telúrica; a imagem fálica do alecrim, a "raiva" associada ao poder físico, ao carácter totémico do falo como deus-corpo e deus-sol.
Mesmo assim tem uns olhos
Negros que esperam por mim -
a morte, a morte como travão último - e único? - ao prazer onanista, fechando em beleza esta obra notável antes da repetição do refrão.

Navego um barco tão cheio
Contigo no meio
No rumo da esperança
Vou numa onda tão bela
Neste barco à vela
Com ar de criança

Para além da obra lírica, merece a pena atentar em três detalhes, todos eles concentrados nos primeiros trinta segundos, do videoclip acima reproduzido:

1) o automóvel descapotável - sendo sobejamente conhecida a carga fálica do símbolo "automóvel", a escolha de um descapotável de pequenas dimensões funciona também como símbolo de transparência. Há, por detrás desta escolha, uma mensagem a dois tempos: um claro "não me escondo como punheteiro" e um oblíquio, no sentido Barthesiano do termo, "enquanto punheteiro, toda a temática da dimensão do órgão sexual me é irrelevante: o meu basta-me na sua individual perfeição".

2) a espiral de Niemeyer - referência elíptica, por um lado à erudição de Mendes e Azinheira, e, por outro, à própria forma da espiral enquanto infinitude em si mesma, adonando-se assim de mais uma representação gráfica para a simbologia onanista.

3) o blusão de ganga com pelo de ovelha por dentro - tentativa nobre da definição de um código visual do onanista; verdadeira exortação: "punheteiro!, conhece-te e faz-te conhecer!"... A escolha da ganga pela sua simbologia proletária e minoritária é elegantemente complementada pelo fraseado filosófico que representa o pelo de ovelha por dentro do blusão: a inversão ou interiorização do exterior; a pele que sobre si mesma se vira; a dupla insularidade (ou tripla, se tivermos em conta que o videoclip é filmado na Madeira). Arriscaríamos ainda um potencial significado adicional: a eventualidade de Mendes ou Azinheira ou ambos terem sido sujeitos a circuncisão, simbolizando o blusão uma espécie de "retorno do prepúcio"?

Sobre o impacto social que esta obra feliz teve no nosso país, os mais recentes estudos de Maria Filomena Mónica transmitem uma imagem fidedigna e adequada, nada havendo a acrescentar.



terça-feira, 29 de novembro de 2011

Holy Shit!


segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A ACADEMIA DO NU



O espólio epistolar do Padre António Fernandes d’Azevedo veio-me parar ás mãos num bem atado molho de papel amarelecido que consultei mesmo ali, de joelhos, num recanto do enorme e poeirento alfarrabista da Misericórdia. Desdobrei as páginas ressequidas à medida que se aguçava a minha curiosidade. A maioria polemizava com interlocutores que desconhecia, mas pus de parte várias que debatiam um tema particular: a ‘Academia do Nu’. Datada de 1780, a Acta de Constituição desta academia dizia tratar-se esta mesma ‘de uma sociedade artística dedicada ao exercício e excelência do desenho, pintura e escultura do corpo humano nu’, com sede na Travessa do Cabral, número quinze, em Lisboa. Terá sido atribulada a primeira sessão de desenho, pois instigada por umas senhoras piedosas, uma pequena multidão foi lançar pedras às janelas da Academia na sua primeira sessão.Isto, após sérias dificuldades em encontrar um homem que aceitasse posar despido. O Padre d’ Azevedo era o secretário da Academia e numa carta ao seu amigo Arquibaldo Alves, dono de uns banhos públicos em Alcântara, descreve assim, Rodrigo, o modelo contratado: ‘era farto de carnes e ventrudo, tinha as pernas fininhas e a testa baixa, várias escrófulas e nascidos saíam-lhe das costas e um túbaro era mor de muito mais descaído que outro que quase chegava a meio da coxa. ‘ No entanto, foi Rodrigo, que era calafate de profissão, o único que aceitou expor-se assim à vista dos artistas. Encontrei um dos esquissos do padre e fiquei perplexo. Era o mais infantil dos desenhos, num papel cheio de manchas amareladas que deixavam cair um pó algo fétido e com cheiro a peixe. Descartei que se tratasse de bolor e de repente enrubesci, pois dei-me conta que seriam manchas de sémen e que as motivações d ´Azevedo eram as mais veneais e muito menos artísticas! Ejaculara profusamente para o desenho – disciplina para a qual não tinha a menor vocação – por cupidez e volúpia. Á medida que fui passando as cartas uma a uma, fui encontrando comentários de cariz misantrópico e mesmo apreciações do físico de Rodrigo que se aproximavam da pornografia, tais como aquela de Sebastião João Mendes ‘o venoso membro de Rodrygo, saliente de crespa pinteleyra faz-me correr a bílis ao traseiro, o que me dá uma vontade inevitável de obrar e depois andar com a tercida acima e abaixo para obter voluptuosas sensações enquanto remiro as nalgas fortes de Rodrigo e imagyno que lhe engulo o marsapo e (ilegível) os quelhoens’. Enojado, deixei cair o molho das cartas aos pés. Outro comentário, este de Ramiro de Cinfães, que dizia ‘Eu, Ramiro de Cinfaens, adido de Sua Majestade ao Paço de Villa Viçosa, eis-me perdido em devaneios do sentido, ao contemplar a beleza apolínea de Rodrigo e tremem minhas carnes ao pensar que podia fazer como de fanchono com ele ali atrás do…’ A dura realidade impôs-se e deduzi claramente que a ‘Academia do Nu’ não passava do debochado clube de invertidos da Lisboa de Bocage e Filinto Elísio. A suar, dirigi-me à Igreja do Loreto e rezei. Passaram horas. O prior, estranhando a minha persistência e imobilidade, aproximou-se e tocou-me no ombro ‘filho, estás bem? Estás há já quatro horas aí sentado’. Queres um copo de água? ‘ Dizia isto, enquanto me fazia trejeitos e olhinhos dengosos. Passou a mão pelas virilhas e lambeu o lábio superior. Aos tropeções e agarrando o molho de cartas, corri atabalhoadamente por entre os bancos da igreja e saí porta fora. Á noite tive insónias e nos poucos períodos em que dormi, soçobrei; e acordava suado e sempre depois do mesmo pesadelo: uma rapariga morena, de cabelo encaracolado e uma covinha no queixo aproximava-se nua e abria as pernas por cima de mim, mas atrás da vagina tinha uns grandes e imoderadamente descaídos testículos. Nisto, entravam dois enfermeiros e prendiam-na numa camisa-de-forças. E era levada dali a espernear aos gritos, enquanto a figura soturna e magra de d´Azevedo ria desbragadamente no canto sombrio do quarto. Acordava suado, mas aliviado. No dia seguinte, fui queimar as cartas e nunca mais pensei no assunto.

FIM

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Halloween


domingo, 16 de outubro de 2011

Dirty Mind


sábado, 15 de outubro de 2011

Atheist Bastard

sábado, 8 de outubro de 2011

Sê tu próprio!





segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Harley Davidson


sábado, 16 de julho de 2011

O Frique





  • Rastas velhas de anos e onde a pediculose só não prospera por milagre

  • Fitinhas de ginástica rítmica com uns pesos na ponta para as gajas (e só as gajas) fazerem uma merda qualquer a que aparentemente chamam dança, ora para extorquir cobres a totós, ora para passar o tempo.

  • Falta de higiene generalizada

  • Djambés

  • Odor desagradável a suor com patine de 3-15 dias

  • Didgeridoos

  • Gaia, oh Gaia!

  • Cuspir onde se senta

  • Vegan

  • Percevejos

  • Sarro no pescoço

  • Rafeiros com sarna

  • Apanhar tachadas de Casal da Eira entre ganzas que rodam por 30 bocas que andaram sabe-se lá onde

  • Pulgas

  • Arrastar o cu pelo miradouro de Santa Catarina todo o santo dia privando assim as pessoas humanas daquele espaço

  • Betos a armar ao indigente convencidos que são almas livres

  • brincar com pauzinhos em chamas

  • Rafeiros que cagam onde não devem

  • Bochcechas cheias de pitrol para os gajos (e só os gajos!) irem melgar o pobre incauto que resolveu parar na esplanada a beber um cafézinho

  • Chatos

  • Rafeiros com chagas

  • Carraças

  • Crusty Punks

  • Anilhas dispersas um pouco por todas as partes visíveis do corpo (das outras não sei - nem quero saber), augurando um porvir preocupante quando as carnes começarem a amolecer e a pender por mor da passagem do tempo

  • Manchas de suor nas t-shirts apertadas das gajas, onde também vislumbras uma argamassada e generosa massa pilosa

sexta-feira, 15 de julho de 2011

TEATRO PORNOGRÁFICO NOVECENTISTA DE CORDEL: HAMLET



- Oh bela Ofélia, de flores ornada em refulgentes cores, corres graciosa em prados e bosques, frescos regatos, colhendo ambrósia no Parnasso dos verdes campos da Dinamarca. Quisera eu em teu regaço repousar meu rosto cansado das vãs oposições com teu pai, Túlio Emídio.

- Oh Hameleto, que me namoriscas galante, conhecendo eu bem teus bárbaros intuitos libidinosos de furar-me o tracto traseiro com sórdida e insalubre verga, amassando-me a torcida mas picando-te nas pevides de melancia da Dinamarca que comi ontem.

- Como eu gostava que foras antes viril mancebo, pois meus entusiasmos veneais são mais conformes à condição varonil e outrossim queria eu meu tracto traseiro preenchido a rebentar pela semente da soldadesca, anões de circo, gado muar e asinino.

- Ah estulto Hameleto, que cuidas de tão malsãs inclinações! E eu aqui abandonada ao frémito cuja semente lançaste em minh’ alma e que descendo a meu ventre, aí fez acorrem víscidos humores e lânguidas mas ardentes disposições. Cuidaria poder, por detrás daquela verdejante e salvífica folhagem consumar o venéreo acto, mas deixando intacta minha virtude, pois para o sacro matrimónio me guardo, com Itríblio, o Electricista.

- Ah Ofélia, que te perdes em sensuais desígnios! Guarda essa dupla virtude e ainda a de outros doces orifícios também aptos a fruir das naturais alegrias!

-Sus! Que dizeis, Hameleto? Como posso não me perder no fogo da lascívia, agora que os quentes eflúvios escorrem da minha matriz e sinto suaves estocadas no tracto traseiro, fremente que é de desejo de ser preenchido e alargado até atingir a plena lisura dos dóceis e frágeis hímenes e subir ventre acima até meu colo e assomar-se nas orelhas, esta grossa torcida que desejo ver por ti amassada?

-São delírios de louca, os que proferes, Ofélia! Pois o mesmo desejo eu, com Asdrúbio, o teu bárbaro servo etíope. Que me varasse com o seu grosso e venoso membro escuro e me rebentasse os interfolia até ao ducto do ventre onde os fluidos quentes da sua semente se misturariam com os biliosos fleumas de meu corpo, que tanta melancolia me causam.

- Mas ora, esquecei, Hamleto, vossas inclinações e antes chupai em minha rósea e generosa natureza, que quasi glabra a achareis e se mesmo uma rala pubescência encontrades, estou certa que a achareis mui prazenteira e suave!

-Assim farei Ofélia… smmmurfffblll…

- Oh doces e prazerosos espasmos sinto em meu virginal vazadoiro! Que grande confusão sinto em minhas carnes! Que concupiscências descubro eu, por haveres ora sugado recolhidas e secretas excrescências! Confundo-me Hameleto e parece-me que sinto em meu ventre largarem-se umas gordas massas fedentinosas. Peço-te que não me recrimineis, se em tua franca face de Príncipe as ora largo profusas!

Mas, Oh, doce Ofélia, como pudera censurar-te? Se neste amplexo me acho coberto do fruto castanho de teu doce ventre descuidado!

- Então aqui vão mais.

Oh.

Oh.

Finis.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

HIPÉRBATOS




Si Amor entre las plumas de su nido
Prendió mi libertad, ¿qué hará ahora,
Que en tus ojos, dulcísima señora,
Armado vuela, ya que no vestido?

Entre las vïoletas fui herido
Del áspid que hoy entre los lilios mora;
Igual fuerza tenías siendo aurora,
Que ya como sol tienes bien nacido.

Saludaré tu luz con voz doliente,
Cual tierno ruiseñor en prisión dura
Despide quejas, pero dulcemente.

Diré como de rayos vi tu frente
Coronada, y que hace tu hermosura
Cantar las aves, y llorar la gente.


Luis de Góngora y Argote (1561- 1627)

Do alvescente ventre as saudades sinto, em meu sentido volteando; em meu ser a cândida imagem de alvos orbes, os teus seios de róseas e hírtulas aréolas, o leite esguichando, de dois já prenhe, pois havemos-nos descuidado e soi esguichar eu em teu posterior tracto, a tua Natureza quis eu daquela vez, num bruto forçar, as delicadas peles rebentar. Do ventre, a contenção já esquecida era, pois de tantos anos a fio o tracto zurzir, lasso se quedou e flácido esmaeceu; laradas e ventos extemporâneos soltando. Fedentes placas de velho chorume, de anos, guardas no teu rendado intérulo (*). Pernas abaixo vêm amiúde laradas grossas, antes pelas virginais virilhas escorrendo, depois pelas coxas e as fivelas dos sapatos cobrindo de grossa e amarela pastada. Glauca (**) a tua crica, do muito afazer que lhe davas, moços da aldeia, ferradores, gado: tudo no teu virginal vazadoiro malhava e zurzia, ó Musa! Loiros caracóis a tua cabeça outrora ostentava, ora glabra e piolhosa por esses tempos de folia debalde suspiras descontente. Grande era teu ânimo de borrada te veres e os muitos sucos em tuas alvas e esvoaçantes vestes empapavam, viscoso rasto no chão deixando, qual fémino caracol. Na tua boca, de que os dentes mera lembrança ora são, alva semente de burros, pretos e almocreves, em borbotões se acoitavam, de tal sorte que as tuas amigas, apenas de olhar para ti, de esperanças ficavam. Pelos floridos prados, pernas abaixo, os filhos ias largando e com as vacas se criavam. Dotes belos, doces lembranças, ora canto musa querida, sobretudo em dias de regras, gostava de te malhar na ferida…

(*) o.m.q. roupa interior; cuecas. Do latim interulus.
(**) O m.q. azul.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

A CASA DO MORTO SECO



‘Qual delas era a mais velha?’ – Isso já tinham as duas irmãs esquecido. As pequenas quezílias próprias de quem vive junto à dezenas de anos davam densidade ao torpor quotidiano daquelas duas irmãs solteiras, em que pouco ou nada de novo havia. Uma escondia a placa esquelética à outra e ria-se ás escondidas, por exemplo. E passavam o dia nisto. A lista de pequenas e infames malvadezes que Florinda fazia á irmã era, no entanto, mais longa: encher-lhe a fralda para adultos incontinentes com mostarda e pimenta, pôr-lhe o aparelho auditivo e a televisão com o volume no máximo, pôr-lhe o pó de ralar os calos no pimenteiro, bostear o bordo da sanita depois de lhe dar laxante à sucapa, desviar-lhe o vale da pensão para ela passar fome o resto do mês, por o número de telefone em páginas de encontros sexuais, declarar óbito da irmã na caixa geral de pensões, pôr massa consistente dentro do tubo da pasta dentífrica, sodomizá-la com um ‘strap-on’ de 24 polegadas depois de lhe dar dose tripla de comprimidos para dormir e depois deixar dois euros no travesseiro, roubar-lhe as cuecas todas, telefonar a ameaçar suicídio e depois espalhar uns restos de tripas que pediu no talho mesmo por baixo da janela e esconder-se, enfim, pequenas e muitas maldades de irmã para irmã.

Adélia, a vítima das pequenas mas perversas sevícias decidiu por cobro ao abuso e urdiu um plano de vingança. Modificou a fechadura para apenas poder ser destrancada por fora e saiu enquanto a irmã estava a dormir a sesta após o almoço. Tinha entaipado as janelas à pressa com tijolos e cortado o fio do telefone. Depois, levantou todo o dinheiro da conta conjunta onde juntavam algumas poupanças e fugiu para o Mónaco. Passados dois anos, voltou á casa onde tinha deixado a irmã para morrer. A casa tinha dado lugar a um centro de estética e talassoterapia onde aplicavam botox. Questionou sem resultado os poucos conhecidos que se lembravam delas. Sofreu, por não poder contemplar a sua vingança. Queria ver o cadáver ressequido, desorbitado e pendendo carnes pútridas da irmã na cadeira de baloiço. Riu-se tresloucadamente: ‘ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah!....’ e perdeu urina mesmo ali no passeio em frente à geladaria. Um mês depois estava no manicómio, drogada a pintar na sala de convívio quando a enfermeira lhe disse que tinha uma visita. Adélia engasgou-se, arregalou os olhos e tolhida de horror e incredulidade viu a sua irmã entrar. Olha-a inexpressivamente e em silêncio. ‘Pensavas que tinhas acabado comigo, hein? ‘- disse. ‘Escapei pelo sifão da sanita depois de duas semanas de horrível dieta para emagrecer e lá caber. Nesse tempo só comi broa de Avintes e anchovas de tomatada. Sofri muito, mas besuntei-me de sebo das botas e escapuli-me até á ETAR onde fui socorrida por um rico homem com quem casei. Era um bom homem mas morreu de uns ataques. –‘Maldita!’ – Disse Adélia. A enfermeira tinha sido subornada por Florinda e á noite á sucapa preparava-se para fazer uma lobotomia a Adélia. Pé ante pé, foi até a cela almofadada de Adélia com um serrote, uma pua e um alguidar para aparar o sangue e os miolos. Mas tropeçou no vaso de noite que estava muito cheio e entornou-o. Sobressaltada, Adélia acordou e sacou da caçadeira de canos serrados que tinha debaixo dos lençóis. A cabeça da enfermeira ficou espalhada na parede do quarto. Adélia saiu do manicómio no cesto da roupa suja e em poucas horas logrou localizar a irmã. Escondeu-se no quarto e esperou. A irmã, por fim, regressou do centro de dia, bebeu um chá de camomila e foi-se deitar. Sentiu nos lençóis o pegajoso de uma feijoada à transmontana e guinchou enojada. Adélia saiu do roupeiro e riu-se num esgar demencial: ‘ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah!...’ A irmã golpeou-lhe a cabeça com um candeeiro e Adélia bateu com a cabeça na bacia dos despejos. Quando acordou, estava atada á cama e amordaçada. A irmã meneava um safa-calos e preparava-se para lhe ralar um joanete. Fitou a irmã com um misto de ódio e horror e pensou na próxima vingança que havia de perpetrar: havia de matar um cão, cortar-lhe o pénis cheio de esperma seca esverdeada e enfiá-lo na merenda de ‘Lanche Isidoro’ e meia carcaça de Florinda. Ela havia de se vomitar toda e Adélia teria a sua vingança. Servida fria.

FIM

sexta-feira, 1 de julho de 2011

doodie
doodie.com

segunda-feira, 27 de junho de 2011

OS PESADELOS DE CORDEL DE ASSENTO DA SANITA- I : um pesadelo matemático.



Kurt Gödel (1906 - 1978)

'A mathematician is a device for turning coffee into theorems'. ~ Paul Erdos

As instruções surgiram num sonho particularmente lúcido. Dele acordei gradualmente, sem nada do seu conteúdo se ter desvanecido na transição para vigília. Na praça, terceira rua à esquerda, junto ao chafariz; terceiro andar esquerdo. Sou normalmente esquivo e ansioso nos contactos sociais, mas nesse dia, ao homem de cerca de sessenta anos que me abriu a porta, sorri e disse-lhe sem mais delongas, que tinha sonhado com aquela porta verde-escura, naquele terceiro andar. Não pareceu estranhar e mandou-me entrar cordialmente. No corredor havia cheiro a madeira e tapetes velhos e o soalho rangia. O homem guiou-me vagarosamente até uma sala na semi-sombra. Na parede haviam quadros com gravuras: de astronomia, alquimia, história natural, símbolos cabalísticos,mitológicos, plantas e mapas. A dada altura causou-me alguma estranheza ter de virar à esquerda para entrar num segundo corredor à direita, onde tive de andar ás arrecuas, seguindo as instruções do homem – para poder atingir a ombreira da porta uns dois metros à frente. Pensei em truques de feira com espelhos, mas decidi não me deter e suspender o julgamento deste facto apenas insólito. Depois de me estender uma chávena de café e beber um golo da sua, disse-me: - ‘Aponte-me um destes quadros. Com qual deles sonhou hoje? ‘ Apontei para uma gravura setecentista representando o Sol com feições antropomórficas, gravada na prata de um espelho. Levantei-me e observei mais atentamente o espelho. A minha própria face reflectia-se na superfície espelhada pode detrás dos traços da gravura. De súbito, como se tivesse surgido um segundo espelho, o meu reflexo multiplicou-se. Depois, como se o segundo espelho se aproximasse do primeiro, o número de imagens tornou-se infinito. De seguida, brotaram transfinitas imagens, ou seja mais que infinitas, como se as superfícies dos espelhos coalescessem e se fundissem uma na outra. Despertei desses poucos segundos hipnóticos e perturbadores, abanando a cabeça rapidamente para um lado e para o outro e, passando a mão na cara, limpei o suor. – ‘Que se passa?’- inquiri.- ‘Nada de especial’ - disse o homem. –‘Apenas viu a sua verdadeira natureza, que é transfinita’. - disse o homem. .- ‘Nada de especial’– ‘Que se passa?’- inquiri.- Despertei desses poucos segundos hipnóticos e perturbadores, abanando a cabeça rapidamente para um lado e para o outro e, passando a mão na cara, limpei o suor. De súbito, brotaram transfinitas imagens, ou seja mais que infinitas, como se as superfícies dos espelhos coalescessem e se fundissem uma na outra. Depois, como se o segundo espelho se aproximasse do primeiro, o número de imagens tornou-se infinito. Em seguida, como se tivesse surgido um segundo espelho, o meu reflexo multiplicou-se.

Assim, todos os acontecimentos se sucederam de forma retrógrada, até estar a sonhar e acordei antes de adormecer. Depois, experimentei tudo em simultâneo: dormir, acordar, sonhar, levantar-me, ir até ao terceiro andar da terceira rua, ver-me ao espelho & etc. E essa experiência continha, de novo, a experiência do tempo retrógrado e a simultaneidade, como naquelas figuras que se representam a si próprias e assim por diante, num recesso infinito de auto-referência. Não podendo conter, em si mesma, a sua própria explicação, a Experiência total, isto é, vista do exterior, coisa que apenas consigo conceber e não experimentar, é ainda assim INCOMPLETA. Há zonas cinzentas, acerca das quais nada pode ser dito e por mais que se busque a sua explicação no seu espelho recíproco. São indecidíveis. O tempo para resolver o seu estatuto de verdade ou ilusão é indeterminado. Podem ser segundos, podem ser eons.

Acordei num estado de puro pânico por sonhar esta monstruosidade. E aterrorizou-me pensar que era isto, de certa forma, a Plenitude ou a Eternidade. A imagem do homem, que percebo agora, primeiro ter sido a de Bernhard Riemman, depois a de Georg Cantor, depois a de Henri Poincaré, depois a de Kurt Gödel e por fim as de Alonso Church e Alan Turing, demorou todo o dia a desvanecer-se e à medida que o sentimento da Realidade vulgar retornava muito lentamente.

Estive mais de oito dias sem querer adormecer. Mas, um efeito colateral do pesadelo: saber o que está nas zonas cinzentas, não deixa de me obcecar.

domingo, 26 de junho de 2011

Por causa do calor...





















...e para nos ajudar a refrescar!

quinta-feira, 2 de junho de 2011

HISTÓRIA DE 'O'



Dentro do automóvel, o amante pegou-lhe docemente na mão e pediu-lhe que tirasse as cuecas. Ela sentiu o couro dos estofos colar-se ás nádegas. Deixou-se ficar enquanto o amante lhe passava as mãos pelos seios. Por fim, beijou-a nos lábios. ‘Está na hora. Tens de ir’. Através do portão de grades, iluminavam-se as janelas do Castelo de Roissy. O estava um pouco apreensiva e viu aproximar-se o criado, que a conduziu cordialmente à entrada enquanto lhe olhava para as nádegas, um tudo-nada sobressaindo da curtíssima mini-saia. Os saltos-altos de O pisando por sobre as folhas secas do Outono produziam o único som em redor. O criado arfava ligeiramente. Lá longe ouviam-se risos, vindos de uma janela aberta do castelo. Nisto, dois galifões saltaram de trás de um arbusto e agarraram o criado. Desapertaram-lhe o cinto, baixaram-lhe as calças e sodomizaram-no. Ele tinha um quisto esfinctero-perineal muito grande, que foi empurrado à bruta pelo recto adentro ‘Ai! Ai! Ai! Ai!...’ – gritava. O quisto, que era causado por uma ténia, mas que entretanto já tinha morrido lá dentro e apodrecido, rebentou e os líquidos nauseabundos esguicharam-lhe pelo ânus indo regar uns rododendros. Mais, ainda se borrou todo. Os galifões, depois de terminarem o servicinho, sacudiram as toscas roupas de serapilheira cheias de catotas coladas, vestígios das arremetidas anteriores contra o criado e debandaram aos pulos. – ‘Tem tendências, você’ – perguntou O. O criado fez um risinho envergonhado, recompôs as ceroulas e indicou-lhe novamente o caminho, em silêncio. Nisto, por detrás de uma sebe de buxo artisticamente topiada, surgiram de novo os galifões e atracaram-se ao traseiro do criado, zurzindo-o sem dó nem piedade enquanto emitiam animalescos urros. O criado esborratou-se pernas abaixo de novo e ficou com os sapatos cheios de merda. Eram uns belos sapatos italianos, daqueles com buraquinhos e que ficaram irremediavelmente entupidos com fezes dos galifões. A dobra das calças também ficara cheia de uma larada amarelada, com bagos de arroz por digerir e com um forte cheiro a azedo. Parecia que tinha farrapos no meio de um líquido amarelado e leitoso. Fazia ‘chlap, chlap’ quando o criado andava. O seguia-o em silêncio e ao fim de hora e meia nunca mais chegavam ao castelo. O sentia a volúpia das gotas de suor que corriam pelas virilhas por baixo da saia, levemente excitada e distraída, quando o criado estacou. ‘-Hum. Cheira-me aqui a marosca…’-disse. Um leve ruído saiu de trás de uma moita de escalónia e a cabeça de um dos galifões assomou-se com um riso sardónico. ‘Eh, eh, eh, zumba, zumba’ – disse guturalmente um deles. O outro só se ria com a gosma a borbulhar nos brônquios. Alçaram-se num salto para cima do criado e atafulharam-lhe o recto com as insalubres vergas. O criado gritava ‘Ai, ui, uiui, aiaiai…a minha rica tripinha. Uma grossa hemorróida rebentou-lhe de esguicho para cima do soutien de um dos galifões. O, entretanto, arrepelava as peles das unhas das mãos com uma lima, assobiava e tirava catotas brancas do espaço entre os grandes e os pequenos lábios. Colando-as áquelas que retirava do ânus ficava com uma dupla catota preta e branca e dizia: -‘olha, é a chamada ‘catota Sheridans’. E ria-se a bandeiras despregadas. O criado estava desmoralizado e as gotas de suor rolavam-lhe pela testa. –‘ É assim a vida de um humilde serviçal, senhora’. As cuecas do criado eram agora uma pasta ensopada de merda rala, meita e coágulos avermelhados. Voltou a colocá-las e as cuecas colaram-se-lhe integralmente aos tomates. Peidou-se copiosamente, suspirou e seguiram o caminho do castelo.

Sir Stephen olhava pela janela afastando o cortinado de veludo brocado. Uma criada semi-nua, apenas de meias, ligas, uma gargantilha de veludo e um grosso cilindro de baquelite fundamente enfiado no recto ‘para ir alargando’, servia-lhe um Chateau Grouvignac de 1956, aproximando a bandeja com uma vénia ligeira. Sir Stephen via ao longe dois vultos cavalgando um outro entre dois arbustos enquanto sons longínquos e resfolegantes (e uns ’ais’) se faziam ouvir vindos da janela.

FIM

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Nada é como vai ser dantes, ou de como a política devia ser uma coisa de crianças

i.

eu não me consigo sentar sobre os calcanhares. não consigo, pronto. dobro os joelhos até certo ponto, sim, mas o melhor que consigo é ficar com o ar de quem arreia o calhau atrás de umas moitas. lá se foi a elasticidade. e foi-se a troco de quê?

ii.

a elasticidade física ainda é como o outro. se sentirmos muito a sua falta, diz-se adeus à auto-imagem viril e faz-se a inscrição no ioga. a elasticidade mental, essa, já é outra história. a sua ausência dá umas cãibras fodidas.

iii.
lembra-me como se fosse hoje. eu, o carlos, a cláudia, o rui e a kikas podíamos estar animadamente a brincar aos Cinco (cabia-me o papel de tim, o cão, por ser o mais novo...) e, de repente, alguém dizia ‘vamos antes brincar às escondidas’. e íamos. fretava-se uma aviãozinho militar para decidir quem ficava a contar e, em menos de um fósforo (cabia-me o papel de não brincar com eles...), mudava-se o jogo. assim, como quem estala os dedos porque nasceu com eles e não é entrevadinho.

iv.
mudava-se o jogo porque sim. e, a tomar conta de nós, estava o télé, manuel qualquer coisa, respeitável geronte que teria os seus 90 anos quando eu nasci. dedos e unhas amarelos do tabaco, que nunca largou, e uma cadeira de metal entre a porta, que também parecia nunca largar. ao contrário dos outros adultos que pareciam levar tudo a sério, o télé tinha qualquer coisa de beatífico. se nos distraíamos a encher panelas com água, terra e ervas que depois lhe atirávamos, a sua ira momentânea era uma coisa ligeira, meia dúzia de palavras ríspidas que mal percebíamos e uma certa impassabilidade – quase conivência – como quem sabe que nada é como vai ser dantes.

v.
mudava-se o jogo porque não. porque não valia a pena acreditar que o outro jogo é que era bom. porque, se fosse jogo de haver quem perdesse ou ganhasse, nada em disputa valia a perda de não experimentar outro jogo. e, assim como assim, tudo acabaria nas vozes das mães a lembrar-nos que era hora de papo-secos com manteiga e leite com toddy.

vi.
era isso que nós queríamos. brincar, tanto fazia se a isto se a outra coisa; brincar até que nos apetecesse o papo-seco – uma oposição dialética e às vezes de proto-guerrilha entre o apetite pelo papo-seco e o dever do papo-seco. brincar, brincar a não brincar, brincar a decidir a que é que se brinca, brincar à experimentação pura de qualquer ideia que parecesse valer a pena.

vii.

eu não me consigo sentar sobre os calcanhares. será, porventura, saudável. a falta de flexibilidade torna-me incapaz de me auto-felar, o que me leva a aceitar viver em sociedade e a participar activamente na bolsa de valores da companhia. não sei ao certo quando é que comecei a brincar ao jogo do ‘a sério’ com outros adultos – sei que ainda estamos na mesma, pouca gente parece achar piada à cena e ninguém parece querer brincar a outra coisa.

viii.

a elasticidade mental, pobrezinha, está de há muito calcinada por se brincar sempre ao mesmo. primeiro sintoma: o de sentir uma pergunta como “o que é que tu queres?” como uma espécie de ultimato. fugimos todos dela como fugíamos da maria, filha do télé, muito menos impávida que o pai e perita no manejo de vergastas diversas.

ix.

e o que é que queremos? que ‘tenhamos muita saúde e amigos também’, como nos parabéns? o que é que queremos para nós e para os outros, em especial para os que, por conveniência de linguagem, chamamos nossos? pois é. não sabemos. não sabemos nem queremos pensar muito nisso. segue jogo; segue jogo que este, ao menos, já sabemos como é que se joga.

x.

nada é tão elementarmente conservador como uma mãe que tem comida para dar aos filhos. mais: a injustiça constitutiva do jogo actual nem sequer melindra muito porque quase qualquer mãe acredita, mesmo que o negue, que os seus filhos são melhores que os outros. repiso: uma mãe que TENHA comida para dar aos filhos. a mãe que não tem, essa, pode estar disposta a parir uma revolução.

xi.

nada é tão elementarmente conservador como o homem que consegue providenciar. é evidente, não carece de outra explicação. o que não consegue, mais depressa implode que explode.

xii.

segue jogo, portanto; segue jogo que o meu avô era soldado e eu já sou alferes; segue jogo que a minha avó era bobinadeira e eu já vendo brincos na parfois. segue jogo porque isto sempre foi assim. segue jogo porque eles não fazem nada e são todos a mesma coisa e só querem é poleiro. segue jogo porque mudamos as caras e eles continuam eles. segue jogo porque o estado está ali e eu estou aqui. segue jogo porque eu jogo esta merda mas não me deixo engrupir nessa jogatana dos partidos. segue jogo porque eu voto mas cago de alto em quem voto. segue jogo porque ainda acredito num pai natal que me vai dar aquilo que eu não sabia que queria. segue jogo porque deixámos a brincadeira definhar de tal maneira que sugerir qualquer outra coisa é como rir num enterro. segue jogo porque as perguntas incomodam e pensar é um desperdício e o tempo está porreiro e há mamas quase à mostra e está ali um tipo a comer-me com os olhos e há sardinhas e uns trocos no bolso para umas mines. segue jogo porque eu esfalfo-me a trabalhar mas o meu filho há-de ser, pelo menos, tão fodilhão como o pai e a minha filha há-de casar com quem a estime e, por isso, têm que ser como os outros e ter o que os outros têm e que nem sabemos se têm mas se aparece na televisão é porque concerteza têm e, raios m’a partam, mas os meus filhos não são menos que ninguém e isto é tudo por eles que eu só quero é que eles tenham o que eu nunca tive que a minha professora primária batia-me na pilinha com uma palmatória e a galdéria do terceiro esquerdo pensa que é alguém só porque o filho mais velho aparece aqui com um hyundai novo e engravatadinho porque é delegado de propaganda médica mas ela há-de ver quando o meu mais novo for estudar para engenheiro. segue jogo porque, concerteza, sempre houve estado, sempre houve portugal, sempre houve nações, sempre houve bola aos domingos, sempre houve escolas e hospitais e cartões de crédito. segue jogo porque estamos todos cansados demais a trabalhar para nos darmos ao luxo de pensar noutro jogo qualquer. segue jogo porque quando, no século passado, se tentou mudar de jogo, aquilo só deu merda. segue jogo porque não vale a pena pensar que este jogo já é diferente e não o vimos mudar. segue jogo porque os outros meninos ainda estão a brincar, mãe, e ainda não me apetece lanchar.

xiii.

se gostamos do jogo, é jogá-lo ‘a sério’. é o futebol total, é jogar no campo todo e pensar em tudo (e em todos) como nosso. é tomar conta dos partidos, nem que seja à bruta; é cuidar do estado como se fosse o nosso alpendre; é jogarmos todos, mesmo o badocha de merda que parece uma menina a chutar a bola. se estamos fartos, é sentar-mo-nos na mesa da cozinha, a embocar o papo-seco, a pensar e a falar que, se calhar, amanhã podíamos brincar antes a...

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Be Polite!


sexta-feira, 20 de maio de 2011

A ALIANÇA OVAL



Foi quando o do meio nasceu. Numa das contracções, ela apertou-me a mão com tanta força que deformou a aliança. De circular passou a oval e passados nove anos, quando a rodo, há uma posição em que me aperta o dedo e outra, a um quarto de volta, em que fica larga.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Negócios do Fim do Mundo (ou talvez não)

O 'DN' já mais parece o 'Correio da Manha', ou uma Sucursal d'O Incrível'...

... ou então é a realidade que é tão manhosa, que já não há maneira de lhe escapar.

Empresários ateus propõem cuidar de animais de cristãos - Globo - DN

terça-feira, 17 de maio de 2011

Simplicidade


segunda-feira, 9 de maio de 2011

Bebe e Olvida



Hey, Cara
Você parece doente
Ou anda com a saúde ausente
Decerto tem a testa quente
O mal será desse dente
Se não passa com aguardente
Vá à caixa e diga que é urgente
Lá há remédio pra toda a gente
Você foi imprevidente
Ou é muito impaciente
Faça cara de contente
Você vai ficar igual
Toma já um melhoral
Porque é bom e não faz mal
Além disso é legal
Toma já um melhoral
É o melhor e é legal
Toma um comprimido
Toma um comprimido
Toma um comprimido que isso passa
Toma um comprimido
Toma um comprimido
Toma um comprimido que isso passa
Eu sei que é nocivo
A isto e áquilo
Esquece isso pelo bem que faça
Eu sei que é nocivo
A isto e áquilo
Esquece isso pelo bem que faça
Você está muito pesada
Não diga que está inchada
Não há roupa que lhe sirva
Não há cinta que lhe valha
Já perdeu de todo a linha
Está a tempo de voltar a fina
É um milagre da medicina
Que é o avanço da aspirina
Tome e fique confiante
Vai ficar muito elegante
Isto é melhor que um purgante
Você vai emagrecer
Cuidado, não abusar
Mas se isso acontecer
Tome outro pra engordar
Cuidado não abusar
Não pare de controlar
Toma um comprimido
Toma um comprimido
Toma um comprimido que isso passa
Toma um comprimido
Toma um comprimido
Toma um comprimido que isso passa
Eu sei que é nocivo
A isto e áquilo
Esquece isso pelo bem que faça
Eu sei que é nocivoA isto e áquilo
Esquece isso pelo bem que faça
Tu estás tão acorrentado
À sombra que tens ao lado
Não consegues apagar
As marcas desse passado
Que teimas em recusar
Mas a mistura da drogaria
E tens a cura para mais um dia
Descola a raiz do fundo
Ficas acima de tudo
Não sentes nada do mundo
Do mundo que te não quer
Cuidado, não abusar
Mas se isso acontecer
És mais um a flipar
Mas se tu queres acabar
Ó que tu queres é drunfar
Toma um comprimido
Toma um comprimido
Toma um comprimido que isso passa
Toma um comprimido
Toma um comprimido
Toma um comprimido que isso passa
Eu sei que é nocivo
A isto e áquilo
Esquece isso pelo bem que faça
Eu sei que é nocivo
A isto e áquilo
Esquece isso pelo bem que faça
Toma um comprimido
Toma um comprimido
Toma um comprimido que isso passa
Toma um comprimido
Toma um comprimido
Toma um comprimido que isso passa
Eu sei que é nocivo
A isto e áquilo
Esquece isso pelo bem que faça
Eu sei que é nocivoA isto e áquilo
Esquece isso pelo bem que faça
Insiste
Toma um comprimido
Toma um comprimido
Toma um comprimido que isso passa
Toma um comprimido
Toma um comprimido
Toma um comprimido que isso passa
ó yé

A minha pilinha é maior que a tua. Ou será o contrário?

Toooooooomaaaaaaaaaa!




E embruuuuuuuuuulhaaaaaaaaaaaaaaa!

Um Homem a Sério


quarta-feira, 4 de maio de 2011

Aerodinâmica



sexta-feira, 29 de abril de 2011

O GATO QUADRADO



Tareco era quadrado, ou precisando: aproximadamente cúbico. Aninhava-se com discrição e facilidade nos cantos da casa e empacotava-se com facilidade na mala do carro quando os Mendes iam de férias. O único que não saia nunca de casa, nem para comprar o jornal, era o velho avô Mendes. Passava o dia a tentar criar colónias de algas debaixo das unhas, que depois raspava com uma navalha para uma gaveta que já estava quase cheia, em virtude de um esforço de quase cinquenta anos. Um dia, o Tareco foi dormir a sesta para essa gaveta e entreteve-se a mascar bolas de húmus sub-ungicular e alguns bichos que lá se criavam. Passaram horas e mascar esterco das unhas revelava-se viciante. O animal empanturrou-se e adormeceu. Á hora do jantar, espreguiçou-se e preparou-se para abandonar a gaveta. Mas foi em vão: a sua forma quadrada tinha dado lugar a uma esfera, pelo que não conseguiu sair da gaveta. Lutou em vão durante horas até que se cansou. Sobreveio a fome até que comeu mais esterco das unhas. E assim passaram dias, semanas, meses, quase afogando-se no seu próprio excremento. O avô Mendes foi dar com ele quase inanimado ao cabo de um esforço de quase cinquenta anos. Um dia, o Tareco foi dormir quando os Mendes iam de férias. O único que não saia nunca de casa empacotava-se com facilidade na mala do carro, onde Tareco foi dormir a sesta com os bichos que lá se criavam que depois raspava com uma navalha. Todos, passaram horas a mascar esterco das unhas até á hora do jantar e criaram colónias de algas debaixo das unhas até as suas formas quadradas darem lugar a uma esfera, pelo que não conseguiram sair da gaveta. O próprio excremento do avô Mendes foi dar com eles quase inanimados, ao cabo de um esforço de quase cinquenta anos. Um dia, foram dormir quando alguns bichos que lá se criavam iam de férias, empanturraram-se e adormeceram. O único que não saia nunca de casa empacotava-se com facilidade na mala do carro, onde Tareco foi dormir a sesta com os bichos que lá se criavam que depois raspava com uma navalha. Nas férias, entretiveram-se a mascar bolas de húmus sub-ungicular e alguns bichos que lá se criavam. Lutaram em vão durante horas até que se cansaram. Sobreveio a fome até que comeram mais esterco das unhas e compraram o jornal.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

A ROSA



Muita coisa a fazia rir, especialmente quando ela própria atropelava algumas palavras com o mesmo riso e se assemelhavam a algo inocentemente malicioso. Foi na segunda década do século passado que se casou, numa aldeia, por entre lanternas mágicas ambulantes com imagens da I Grande Guerra, lobos, pilhas de carvão de azinho fumegantes, uma mãe que comia tachadas de alhos fritos como jantar e bailes, muitos bailes, ao mero som de uma harmónica tocada até sangrarem os lábios do tocador. Muitas vezes, ora apenas nos versos ou timidamente trauteadas, essas músicas, chegaram aos meus ouvidos, sessenta ou setenta anos depois. Eram músicas cantadas pelos ranchos que iam mondar, apanhar azeitona ou ceifar campos a muitas léguas e muitas horas de caminho da aldeia. Três ou quatro da manhã para chegar ao alvor.

Uma rival de amores, mais atrevida ou em desespero de causa, foi deitar-se na cama de um ébrio noivo na noite despedida de solteiro e isso soube depois toda a aldeia. Raiva, despeito e uma aversão a corpos estranhos ao seu sangue não terão facilitado a intimidade desse matrimónio. E a liberdade possível de cantar e bailar também ficou para trás com o casamento. Só, nos montes, enquanto o marido guardava varas e rebanhos, capava porcos e com eles percorria montados, dormia em valetas e à chuva; temeu que malteses se fizessem ao roubo e sabe-se lá que mais; mas isso nunca aconteceu e os filhos foram nascendo e criando-se. Depois, a cegueira de três anos, vinda da alma, pois o médico que a tratava por ‘tu’ ou virtuoso que tinha um crucifixo dentro de uma garrafa, nada lhe encontraram. E as sezões, que eram malária apanhada nos arrozais apesar de ninguém lhe chamar esse nome, deixou-a mais anos seguidos de cama. Era nos delírios da febre e nos pesadelos, que chegou a filha mais nova a ouvir muitas vezes arrepiada, que cantava. Depois, o filho mais velho, de que retenho na memória apenas um auto-retrato a lápis, morreu num sanatório e passou ela a vestir-se de preto. Uma prima, que esteve temporariamente lá em casa, também se deitou com o marido. A chave de uma misteriosa arcazinha, foi encontrá-la no meio de uma seara e assim teve as provas da intimidade deles (uns preservativos, presumo eu). Décadas depois, ‘a tua prima’ era uma interjeição que usava quando se dirigia ao marido, que só compreendi depois de me contarem esse evento. Das partes em que, depois de velha, sofreu com doenças só referirei que teimosamente se levantou, vez após vez e sempre todos vaticinaram o seu entrevamento definitivo. Voltava a cantar e a dizer versos. Quando morreu e só lá estava eu, absolveu-me de lhe ter dado com uma sachola na cabeça quando eu tinha quatro anos, pois de mais nada enquanto viveu comigo me acusou ou julgou; antes contava-me histórias que ia inventando no momento. Apesar de a ter visto sempre de preto, o vestido que guardou para que lhe vestissem depois de morta era colorido e ás flores. Eram rosas grandes em fundo castanho e creio que esteve guardado desde os tempos de solteira.

terça-feira, 26 de abril de 2011

A ver se...

















...têm dentes para isto, seus panilas do ca...raças!

terça-feira, 12 de abril de 2011

Presos com direito a sexo uma vez por mês

(in DN.ptHoje)


"Esta é uma das novas medidas do novo Regulamento Geral dos Estabelecimentos prisionais, publicado ontem em Diário da República. Os reclusos que estejam na prisão há mais de seis meses vão ter direito a um encontro sexual por mês, escreve a edição de hoje do "Correio da ManhA". Para tal, os estabelecimentos prisionais vão ter que criar condições. Este novo regulamento também abrange os homossexuais."


Ele há gente com sorte.



segunda-feira, 11 de abril de 2011

Naked Chicks With Guns


terça-feira, 5 de abril de 2011

PÓ DE PROJECÇÃO



Excerpto do Diário de José Nunes (1867-1943), doutor em medicina que estudou em Inglaterra.

(…) Estava atado com uma corda de juta, um semi-bolorento palimpsesto esquecido do acervo de John Dee da Biblioteca da Abadia de St. Eclair-on-Thames. Era uma tradução em árabe medieval de um manuscrito copta do século II A.D. Uma liberal interpretação de Thomas Moore atribuía-o a Ibn-Rushd ou Averróis, sendo que o primeiro o adquiriu provavelmente já interpolado por copistas medievais, a um certo Philalette, alfarrabista de Paris. É um texto alquímico eivado de alegoria e simbolismo e fazendo fé no inglês quinhentista de Moore, reza assim:

Da decantação do Mercúrio em seu espírito do Sal, casa-se este com o Enxofre em fecundo Ovo, que ao negro, calcinado ao branco, seis vezes no athanor, pulverizado em ágata e envolvido numa noz de cera é o pó de projecção; e diluído oito vezes numa onça em um quartilho de orvalho é o Oiro Potável de Mercurio Trimegisto, que transformando misticamente o tomador da Obra Magna da Real Arte, o vem transfigurar em Glória e juventude (…)

Li nestas palavras a receita do Elixir da Juventude e assim tomei cinco partes de vitríolo, uma de bosta de vaca fermentada com sémen, pus, sangue e um quisto hidático esborrachado e ainda meia de urina, duas de cinábrio e uma de mercúrio e iniciei a moenda no almofariz de ágata, pela segunda hora. Cozi ao rubro esta bola no athanor durante duas semanas e logrei obter a Obra ao Negro. Calcinei e dissolvi, coagulando, duas e mais vezes e logrei a temperatura certa que conduz, após cerca de quinze dias ao Ovo Filosófico, que novamente calcinando renasce em Glória qual Phénix das suas próprias cinzas e é a Obra ao Branco: um pó amarelado de brilho furta-cores. Preparei a diluição em orvalho recolhido em lençóis todos os dias de manhã e assim tomei o Oiro Potável e esperei o resto da noite até de manhã. (…)

De manhã tinha duas cabeças, com coroas de rei e rainha, um par de mamas, esvoaçava em torno de mim uma alva pomba com murta no bico entre um sol e uma Lua e os meus pés poisavam por sobre um pelicano. Um pentáculo com símbolos cabalísticos brilhava sobre a minha cabeça, uma cobra mordendo a cauda volteava em meu redor e dei-me por satisfeito. Seguido por esta parafrenália, fui neste preparo para a rua, ás duas da manhã, onde fui sodomizado com brutalidade por dois limpa-chaminés desdentados atrás de um monte de carvão e julgo que nada terei ganho com esta empresa. Duas purgas, uma sangria, aplicações de sanguessugas medicinais e pachos calmantes de artemísia e borato já me devolveram, três dias depois ao meu estado normal, fora uma estrelinha cintilante que ainda me orbita a cabeça. Só espero ter anotado com precisão a morada dos limpa-chaminés’.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

quinta-feira, 31 de março de 2011

sexta-feira, 25 de março de 2011

Conan O Homem Rã

Moral Orel

Uma série especialmente dedicada às almas mais sensibilizadas e disponíveis a beber (com devoção, gula e até sofreguidão) da Santa Palavra do Senhor, do seu Filho e do Outro, que (também) nunca se vê.

Que os Mártires mais castigados do Panteão vos acompanhem nesta Santa Viagem.










quinta-feira, 24 de março de 2011

girls & guns

quinta-feira, 17 de março de 2011

NOTAS HERESIOLÓGICAS DE ASSENTO DA SANITA I - O basilidianismo



Basilides de Alexandria, nos alvores do Cristianismo (século II), concebeu uma heresia cosmogónica que era também uma monstruosidade teológica. Seria o Céu como uma cebola e no primeiro e primordial, vive o impassível Abraxas, o verdadeiro deus. Preside em plenitude a um céu, o Pleroma, o verdadeiro mundo das essências de Platão. Abraxas é a mónada, o Absoluto e não tem atributos pessoais, pois tudo contêm: a matriz de cada coisa e o seu contrário irmanadas e indistintas numa só essência ou ideia. Abraxas é representado como um rei de torso forte, envergando um escudo e um látego, com cabeça de galo e pernas que são duas serpentes. Parece ter sido decalcado de uma divindade mazdaísta persa. Por ser o verdadeiro deus surgia frequentemente em amuletos nos primeiros cristãos. Dele emanaram sete arcanjos, aeons ou semideuses, que criaram um segundo céu subjacente ao Pleroma e onde os dois princípios opostos, emanados do Uno, se corporizam em contrários: claro, escuro, masculino, feminino (ou Sofia, a Razão), construção, destruição & etc.. A este segundo, presidem também sete aeons, que se encarregaram de criar um terceiro ceú análogo ao segundo e assim por diante, até que o número de céus é 365, tantos quantos os dias do ano. Como cada céu tem o seu demiurgo, é como uma fotocópia de fotocópia, isto é, vai acumulando imperfeições e erros e a divindade do deus ou demiurgo que lhe preside ‘tende para zero’, como disse J.L. Borges na sua ‘reabilitação do falso Basílides’ (Ficções, 1944). Vivemos na base dessa escala de universos, ou céus e o deus do Antigo Testamento, Javé, é demiurgo ou criador do nosso mundo imperfeito e sofredor. Alguns textos apócrifos de comentários à Exegética de Basílides de Clemente e Arquelau descrevem a criação do homem á imagem do arcanjo Javé, mas sendo este tão imperfeito, arrastava-se no chão como uma serpente. Mercê da piedade de um céu superior, o seu arcanjo soprou algo mais de vitalidade na criatura, que se ergueu enfim de pé. Grotesco e imperfeito, este Mundo logrou causar a piedade de Abraxas, que enviou Cristo, o seu monofísico filho, que é também o Pai, divino mas absorvido na humanidade. Como um fantoche, este avatar de Abraxas ensinou e morreu na cruz, mas subiu aos céus. Para tal, teve de proferir como palavra-passe o nome dos sete arcanjos de cada céu, o que dá 2555 nomes. Para obter a salvação, a alma deve expiar os pecados, ou karma dir-se-ia, acumulados neste mundo antes de passar, pela metempsicose, isto é encarnar noutro corpo, no mundo seguinte. Por outra via, para se unir ao verdadeiro e único deus, o cristão poderá tentar conhecer misticamente os 2555 nomes dos arcanjos, encontrá-los, mas nunca os proferir a terceiros. O conhecimento desses nomes decorre da expiação dos pecados, pelo que as vias são análogas. Os seguidores de Basílides, ou basilidianos, subsistiram no Egipto uns dois séculos após o morte do teólogo em 138 AD., tendo desaparecido ou sido fundido nas correntes gnósticas dominantes, nomeadamente no maniqueísmo e nestorianismo. O basilidianismo foi considerado herético, nomeadamente por Pseudo-Tertuliano no século VII na obra ‘contra todas as heresias’ ratificado pela igreja de Roma e Abraxas relegado á categoria de demónio pelos teólogos demonólogos católicos ulteriores. Carl Jung (1875-1961) escreveu uma diatribe fantasiosa, de significado psicanalítico e poético, chamada ‘Sete Sermões aos Mortos escritas por Basílides de Alexandria’; ‘Abraxas é o nome de uma corporação petrolífera, de uma livraria em Santiago de Compostela, de uma companhia discográfica, de um jogo de computador e de milhares de outras coisas. O Google fornece 3.300.000 resultados de pesquisa com esta palavra. Nem o cristianismo actual é o que parece, nem o Mundo se esquece facilmente.

quarta-feira, 16 de março de 2011

REABILITAÇÃO DO VAZIO


Eu começo com o Vazio. O Vazio é o mesmo que plenitude. O Infinito pleno não é melhor do que Vazio. O Nada é simultaneamente plenos e vazios. Assim pode-se dizer mais alguma coisa do Nada, como por exemplo, é branco, ou preto, ou ainda, não é, ou é. Uma coisa que é Infinita e Eterno não tem qualidades, pois tem todas as qualidades’.

Carl Gustav Jung, ‘Sete Sermões aos Mortos’, 1916

Bock, onde é que vais ver a bola?

terça-feira, 15 de março de 2011

Fred Buscaglione - Eri piccola così (1959)



T'ho veduta. T'ho seguita.
T'ho fermata. T'ho baciata.
Eri piccola, piccola, piccola, così!
M'hai guardato. Hai taciuto.
ho pensato: "Beh, son piaciuto".
Eri piccola, piccola, piccola, così!
Poi, è nato il nostro folle amore,
che, ripenso ancora con terrore.
M'hai stregato. T'ho creduta.
L'hai voluto. T'ho sposata.
Eri piccola, piccola, piccola, sì, così!
T'ho viziata, coccolata,
pane, burro, marmellata.
Ma eri piccola, piccola, piccola, così!
E cretino sono stato,
anche il gatto m'hai venduto.
Ma eri piccola (eh già), piccola, piccola, così!
Tu, fumavi mille sigarette.
Io, facevo il grano col tresette.
Poi un giorno m'hai piantato
per un tipo spappolato.
T'ho cercato, l'ho scovato,
l'ho guardato, s'è squagliato.
Quattro schiaffi t'ho servito,
Tu mi hai detto: "Disgraziato!".
La pistola m'hai puntato, eh,
ed un colpo m'hai sparato.
A sì…
Spara… (bang).
e spara… (bang),
e spara… (bang)
khoff, khoff , khoff, khoff,
E pensare che eri piccola,
ma piccola, tanto piccola,
così!

girls & guns

domingo, 13 de março de 2011

A energia nuclear e a religião são iguais: cheias de boas intenções, mas no fim dá sempre merda.









quinta-feira, 10 de março de 2011

girls & guns

segunda-feira, 7 de março de 2011

À medida do fin0, II

"Passado um tempo fui até ao ginásio. Ia desocupar o meu cacifo. Acabava-se o exercício para mim. Toda a gente falava no bom que era o cheiro a suor fresco. Tinham de inventar uma desculpa para ele. Elas nunca falavam no bom que era o cheiro da merda fresca. Não havia nada melhor que o cheiro de uma boa diarreia de cerveja - isto é, depois de beber vinte ou vinte e cinco cervejas na noite anterior. O cheiro de uma diarreia de cerveja espalhava-se por todo o lado e fica por lá durante uma boa hora e meia.
Faz-nos ver que estamos realmente vivos."
Charles Bukowski (1920-1994), "Ham on Rye"