Basilides de Alexandria, nos alvores do Cristianismo (século II), concebeu uma heresia cosmogónica que era também uma monstruosidade teológica. Seria o Céu como uma cebola e no primeiro e primordial, vive o impassível Abraxas, o verdadeiro deus. Preside em plenitude a um céu, o Pleroma, o verdadeiro mundo das essências de Platão. Abraxas é a mónada, o Absoluto e não tem atributos pessoais, pois tudo contêm: a matriz de cada coisa e o seu contrário irmanadas e indistintas numa só essência ou ideia. Abraxas é representado como um rei de torso forte, envergando um escudo e um látego, com cabeça de galo e pernas que são duas serpentes. Parece ter sido decalcado de uma divindade mazdaísta persa. Por ser o verdadeiro deus surgia frequentemente em amuletos nos primeiros cristãos. Dele emanaram sete arcanjos, aeons ou semideuses, que criaram um segundo céu subjacente ao Pleroma e onde os dois princípios opostos, emanados do Uno, se corporizam em contrários: claro, escuro, masculino, feminino (ou Sofia, a Razão), construção, destruição & etc.. A este segundo, presidem também sete aeons, que se encarregaram de criar um terceiro ceú análogo ao segundo e assim por diante, até que o número de céus é 365, tantos quantos os dias do ano. Como cada céu tem o seu demiurgo, é como uma fotocópia de fotocópia, isto é, vai acumulando imperfeições e erros e a divindade do deus ou demiurgo que lhe preside ‘tende para zero’, como disse J.L. Borges na sua ‘reabilitação do falso Basílides’ (Ficções, 1944). Vivemos na base dessa escala de universos, ou céus e o deus do Antigo Testamento, Javé, é demiurgo ou criador do nosso mundo imperfeito e sofredor. Alguns textos apócrifos de comentários à Exegética de Basílides de Clemente e Arquelau descrevem a criação do homem á imagem do arcanjo Javé, mas sendo este tão imperfeito, arrastava-se no chão como uma serpente. Mercê da piedade de um céu superior, o seu arcanjo soprou algo mais de vitalidade na criatura, que se ergueu enfim de pé. Grotesco e imperfeito, este Mundo logrou causar a piedade de Abraxas, que enviou Cristo, o seu monofísico filho, que é também o Pai, divino mas absorvido na humanidade. Como um fantoche, este avatar de Abraxas ensinou e morreu na cruz, mas subiu aos céus. Para tal, teve de proferir como palavra-passe o nome dos sete arcanjos de cada céu, o que dá 2555 nomes. Para obter a salvação, a alma deve expiar os pecados, ou karma dir-se-ia, acumulados neste mundo antes de passar, pela metempsicose, isto é encarnar noutro corpo, no mundo seguinte. Por outra via, para se unir ao verdadeiro e único deus, o cristão poderá tentar conhecer misticamente os 2555 nomes dos arcanjos, encontrá-los, mas nunca os proferir a terceiros. O conhecimento desses nomes decorre da expiação dos pecados, pelo que as vias são análogas. Os seguidores de Basílides, ou basilidianos, subsistiram no Egipto uns dois séculos após o morte do teólogo em 138 AD., tendo desaparecido ou sido fundido nas correntes gnósticas dominantes, nomeadamente no maniqueísmo e nestorianismo. O basilidianismo foi considerado herético, nomeadamente por Pseudo-Tertuliano no século VII na obra ‘contra todas as heresias’ ratificado pela igreja de Roma e Abraxas relegado á categoria de demónio pelos teólogos demonólogos católicos ulteriores. Carl Jung (1875-1961) escreveu uma diatribe fantasiosa, de significado psicanalítico e poético, chamada ‘Sete Sermões aos Mortos escritas por Basílides de Alexandria’; ‘Abraxas é o nome de uma corporação petrolífera, de uma livraria em Santiago de Compostela, de uma companhia discográfica, de um jogo de computador e de milhares de outras coisas. O Google fornece 3.300.000 resultados de pesquisa com esta palavra. Nem o cristianismo actual é o que parece, nem o Mundo se esquece facilmente.
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quinta-feira, 17 de março de 2011
NOTAS HERESIOLÓGICAS DE ASSENTO DA SANITA I - O basilidianismo
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