quarta-feira, 6 de julho de 2011

A CASA DO MORTO SECO



‘Qual delas era a mais velha?’ – Isso já tinham as duas irmãs esquecido. As pequenas quezílias próprias de quem vive junto à dezenas de anos davam densidade ao torpor quotidiano daquelas duas irmãs solteiras, em que pouco ou nada de novo havia. Uma escondia a placa esquelética à outra e ria-se ás escondidas, por exemplo. E passavam o dia nisto. A lista de pequenas e infames malvadezes que Florinda fazia á irmã era, no entanto, mais longa: encher-lhe a fralda para adultos incontinentes com mostarda e pimenta, pôr-lhe o aparelho auditivo e a televisão com o volume no máximo, pôr-lhe o pó de ralar os calos no pimenteiro, bostear o bordo da sanita depois de lhe dar laxante à sucapa, desviar-lhe o vale da pensão para ela passar fome o resto do mês, por o número de telefone em páginas de encontros sexuais, declarar óbito da irmã na caixa geral de pensões, pôr massa consistente dentro do tubo da pasta dentífrica, sodomizá-la com um ‘strap-on’ de 24 polegadas depois de lhe dar dose tripla de comprimidos para dormir e depois deixar dois euros no travesseiro, roubar-lhe as cuecas todas, telefonar a ameaçar suicídio e depois espalhar uns restos de tripas que pediu no talho mesmo por baixo da janela e esconder-se, enfim, pequenas e muitas maldades de irmã para irmã.

Adélia, a vítima das pequenas mas perversas sevícias decidiu por cobro ao abuso e urdiu um plano de vingança. Modificou a fechadura para apenas poder ser destrancada por fora e saiu enquanto a irmã estava a dormir a sesta após o almoço. Tinha entaipado as janelas à pressa com tijolos e cortado o fio do telefone. Depois, levantou todo o dinheiro da conta conjunta onde juntavam algumas poupanças e fugiu para o Mónaco. Passados dois anos, voltou á casa onde tinha deixado a irmã para morrer. A casa tinha dado lugar a um centro de estética e talassoterapia onde aplicavam botox. Questionou sem resultado os poucos conhecidos que se lembravam delas. Sofreu, por não poder contemplar a sua vingança. Queria ver o cadáver ressequido, desorbitado e pendendo carnes pútridas da irmã na cadeira de baloiço. Riu-se tresloucadamente: ‘ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah!....’ e perdeu urina mesmo ali no passeio em frente à geladaria. Um mês depois estava no manicómio, drogada a pintar na sala de convívio quando a enfermeira lhe disse que tinha uma visita. Adélia engasgou-se, arregalou os olhos e tolhida de horror e incredulidade viu a sua irmã entrar. Olha-a inexpressivamente e em silêncio. ‘Pensavas que tinhas acabado comigo, hein? ‘- disse. ‘Escapei pelo sifão da sanita depois de duas semanas de horrível dieta para emagrecer e lá caber. Nesse tempo só comi broa de Avintes e anchovas de tomatada. Sofri muito, mas besuntei-me de sebo das botas e escapuli-me até á ETAR onde fui socorrida por um rico homem com quem casei. Era um bom homem mas morreu de uns ataques. –‘Maldita!’ – Disse Adélia. A enfermeira tinha sido subornada por Florinda e á noite á sucapa preparava-se para fazer uma lobotomia a Adélia. Pé ante pé, foi até a cela almofadada de Adélia com um serrote, uma pua e um alguidar para aparar o sangue e os miolos. Mas tropeçou no vaso de noite que estava muito cheio e entornou-o. Sobressaltada, Adélia acordou e sacou da caçadeira de canos serrados que tinha debaixo dos lençóis. A cabeça da enfermeira ficou espalhada na parede do quarto. Adélia saiu do manicómio no cesto da roupa suja e em poucas horas logrou localizar a irmã. Escondeu-se no quarto e esperou. A irmã, por fim, regressou do centro de dia, bebeu um chá de camomila e foi-se deitar. Sentiu nos lençóis o pegajoso de uma feijoada à transmontana e guinchou enojada. Adélia saiu do roupeiro e riu-se num esgar demencial: ‘ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah!...’ A irmã golpeou-lhe a cabeça com um candeeiro e Adélia bateu com a cabeça na bacia dos despejos. Quando acordou, estava atada á cama e amordaçada. A irmã meneava um safa-calos e preparava-se para lhe ralar um joanete. Fitou a irmã com um misto de ódio e horror e pensou na próxima vingança que havia de perpetrar: havia de matar um cão, cortar-lhe o pénis cheio de esperma seca esverdeada e enfiá-lo na merenda de ‘Lanche Isidoro’ e meia carcaça de Florinda. Ela havia de se vomitar toda e Adélia teria a sua vingança. Servida fria.

FIM

15 comentários:

ostia disse...

"broa de Avintes"
hahahahaha

eres el mejor

Vareta disse...

Prostro-me em adoração. Eu próprio ía perdendo urina mesmo sem estar em frente da geladaria.

"Pé ante pé, foi até a cela almofadada de Adélia com um serrote, uma pua e um alguidar para aparar o sangue e os miolos." - isto é a melhor imagem literária de 2011, proclamo eu.

Bock disse...

"desviar-lhe o vale da pensão para ela passar fome o resto do mês"

Ah, ah, ah, ah!!!!!!

Bock disse...

"Tudo isto foi subitamente interrompido por uma justiça que o exibiu algemado e, depois, enviou para uma prisão de alta segurança, criando um acontecimento que foi o mais noticiado e comentado no mundo, desde o 11 de Setembro. "

Isto é o Carrilho a falar do Strauss-khan, no DN.

..."desde o 11 de Setembro"????

Onde é que este gajo vai buscar estas pérolas de sagacidade é o que eu me pergunto...

Anónimo disse...

à dezenas de anos?
á irmã?
voltou á casa?
até á ETAR?
á noite?
á sucapa?
á cama?

Numa primeira leitura foi o que mais me despertou atenção.

Estranho. Muito estranho.
Ou talvez não.

Assento da Sanita disse...

Corrige se puderes, paneleiro de merda.

Bock disse...

A estes anónimos ditos anónimos haviam mas era de os alimentar à força de marradas de piço, quais gansos destinados a fuá-grá.

Assento da Sanita disse...

Esse palhaço quer atenção, já teve e agora que vá para a puta da mãe dele.

Assento da Sanita disse...

Ou palhaça ressabiada e com problemas clínicos para os quais me estou a cagar de alto, que me lembro que as houve em tempos.

Bock disse...

Bof.

ostia disse...

"Corrige se puderes, paneleiro de merda"

hahaha
esta frase ma aprendo para dizerla e seguro que triunfo, , fantástico, puro, simple e contundente.

:-)

Dum Dum disse...

Raramente tive tanto prazer a manusear com a mão direita o meu pequeno, mas potente smartphone, como para agora ler esta narração demencial sobre as peripécias de uma típica família disfuncional.
Se eu fosse a Moody's fazia já um upgrade no rating deste blogue para contrabalançar os atrozes downgrades nos ratings aos bancos portugueses (daqueles de dinheiro e não de esperma, felizmente!) Downgrades que vão levar-nos à inevitável e mais que certa banca rota que, como toda a gente sabe, é a forma politicamente incorreta de dizer "banca gay", só que por questões de fonética não pode ser usada, pois poderia soar como "Bahn... caguei!". Os bancos são uns rotos, portanto. Estão cheios de dinheiro e gastam tudo em cremes e roupas chiques para os empregados, a decorar os interiores das agências e em florzinhas e bibelots para os balcões e depois os clientes é que são enrabados em estilo bareback para pagar essas paneleirices. E eu que o diga que, à pala dos spreads, não tenho dinheiro para comprar um smartphone maior e, para poder escrever um comentário a este excelente texto do Adas, vejo-me obrigado a raspar neste teclado minúsculo com os meus enormes dedos másculos e viris e, por isso, vou ter de terminar pois acho que já tenho uma unha danificada de tanto arranhar o touchscreen...

Dum Dum disse...

O meu anterior comentário respeita as regras do novo Acordo Ortográfico; o recurso estilístico que utilizei na expressão “uma típica família disfuncional” chama-se oximoro; evitei trocadilhos brejeiros demasiado explícitos porque este é um blogue familiar; gostaria de ter utilizado a palavra “concomitante”, mas não a consegui integrar.

Abraços, beijinhos ou beliscões no rabo (conforme o caso) a todos e todas!

VD disse...

"Tomatada de conserva"

Uma boa metáfora para definir os resilientes deste blog.

Assento da Sanita disse...

Dum dum, uma unha danificada é catastrófico e indigno da urbanidade delicada que te caracteriza. Espero que os teus amigos não te discriminem e releguem para os infectos lavabos da REFER e te excluam dos sofisticados foyers onde se discute a decoração de interiores e a ultima colecção do Karl. Por causa de uma repugnante unha lascada.